Difícil crer que a retórica stalinista ainda sobrevive, a despeito da enxurrada de revelações que se produziu durante e após a queda do regime pseudo-socialista soviético. Tudo que vai de encontro à opinião destas figuras é tachado de "imperialista", ideologia burguesa, "mentira ianque", blá blá blá. Assim também Theodor Adorno foi acusado de ser agente da CIA (!). Estratégia bem desonesta essa, que falsifica e inverte tudo. O stalinismo é ideológico no pior sentido do termo (naquele dado originalmente por Karl Marx) - é uma concepção invertida da realidade. Falar nos termos de um "crescimento econômico" superior, querendo demonstrar com isso o quanto os operários participavam positivamente dos faraônicos empreendimentos do Estado Soviético: é aí que o tiro sai pela culatra. A simetria nos termos da discussão (porcentagens, crescimento econômico, rendimento de trabalho etc) mostra o quanto que o socialismo do Leste Europeu se igualava ao Ocidente, inflado pelas mesmas instituições, pelo mesmo fetichismo da técnica (ou "razão instrumental"). Legitimando-se através de um discurso pró-operário e socialista, a burocracia soviética podia então impor e reproduzir as instituições básicas do capitalismo, a começar pelo Estado racionalmente conduzido. Mas isso os nossos stalinistas não querem ver. Eles têm maior gosto pela fenomenologia do discurso, que é a casa por excelência do espetáculo, do que pela análise concreta dos casos, de acordo com uma visão ampla das relações sociais. Como se a acumulação econômica e militar sem precedentes no antigo "bloco socialista" não denunciasse por si mesma a lógica que jazia ao desenvolvimento pós-revolucionário.
Importante lembrar que, para acobertar as contradições presentes (entre os proletarizados e o imenso aparato político-militar e econômico que se lhes opunha), o Estado Soviético utilizou largamente do nacionalismo e ideologias afins: todos eram chamados à "unidade nacional" para, em nome da Pátria Socialista, se sacrificarem. A ideologia protestante do trabalho foi outra que vingou desde o início, dando um tom quase mítico ao matadouro fabril. Mas nada disso interessa.
Mesmo quando querem dar um "ar fresco" ao marxismo, os stalinistas não se contêm. Alguns até, muito progressistas, afirmam que o antagonismo entre "proletariado" e "burguesia" teria acabado. Caberia agora encontrar um outro, ou melhor, "O" outro sujeito revolucionário. Os povos indígenas são uma das miras (acreditem, ele foi capaz de chegar a esta conclusão!!). Mas como e em que condições devem os povos indígenas se rebelarem? Para fundar um novo Estado, uma nova forma de opressão? Uma nova "classe dominante"? Então haverá opressores e oprimidos, como afirma o pequeno-burguês (sic) Bakunin, e a liberdade não estará garantida, tampouco a igualdade.
Não me interessa muito a discussão dos eventos do passado, a eterna rixa para ver quem é mais revolucionário. Porém, em caso de obtusidade e tagarelice programada, quebro o vidro. Não é nunca demais lembrar os crimes históricos do bolchevismo (e do stalinismo, que é nada mais que a sua decorrência lógica) contra as iniciativas autônomas dos/as trabalhadores/as. Os troskos, por sua vez, não fazem mais do que confirmar o caráter repressivo do marxismo tradicional. Com efeito, a essência do trotskismo é a ciumenta disputa pelo poder (basta ver como agem os partidos trotskistas no Brasil).
É possível fazer outra leitura do marxismo? Sim, acredito eu. E é mais do que necessário, nessa empreitada, contrariar os cânones do bolchevismo. Karl Korsch já denunciava no seu tempo a degeneração do marxismo em ciência burguesa, fragmentado-se em uma pá de gavetas disciplinares. John Holloway nos faz lembrar a importância da negatividade. Antes de tudo, é preciso ter a consciência de que o marxismo não passa de uma visão entre outras - ele não é "a" verdade, não é dono desta. É só a partir desta constatação, no entanto trivial aos que não se escondem atrás da máscara da arrogância, que podemos começar a nos mover.
Importante lembrar que, para acobertar as contradições presentes (entre os proletarizados e o imenso aparato político-militar e econômico que se lhes opunha), o Estado Soviético utilizou largamente do nacionalismo e ideologias afins: todos eram chamados à "unidade nacional" para, em nome da Pátria Socialista, se sacrificarem. A ideologia protestante do trabalho foi outra que vingou desde o início, dando um tom quase mítico ao matadouro fabril. Mas nada disso interessa.
Mesmo quando querem dar um "ar fresco" ao marxismo, os stalinistas não se contêm. Alguns até, muito progressistas, afirmam que o antagonismo entre "proletariado" e "burguesia" teria acabado. Caberia agora encontrar um outro, ou melhor, "O" outro sujeito revolucionário. Os povos indígenas são uma das miras (acreditem, ele foi capaz de chegar a esta conclusão!!). Mas como e em que condições devem os povos indígenas se rebelarem? Para fundar um novo Estado, uma nova forma de opressão? Uma nova "classe dominante"? Então haverá opressores e oprimidos, como afirma o pequeno-burguês (sic) Bakunin, e a liberdade não estará garantida, tampouco a igualdade.
Não me interessa muito a discussão dos eventos do passado, a eterna rixa para ver quem é mais revolucionário. Porém, em caso de obtusidade e tagarelice programada, quebro o vidro. Não é nunca demais lembrar os crimes históricos do bolchevismo (e do stalinismo, que é nada mais que a sua decorrência lógica) contra as iniciativas autônomas dos/as trabalhadores/as. Os troskos, por sua vez, não fazem mais do que confirmar o caráter repressivo do marxismo tradicional. Com efeito, a essência do trotskismo é a ciumenta disputa pelo poder (basta ver como agem os partidos trotskistas no Brasil).
É possível fazer outra leitura do marxismo? Sim, acredito eu. E é mais do que necessário, nessa empreitada, contrariar os cânones do bolchevismo. Karl Korsch já denunciava no seu tempo a degeneração do marxismo em ciência burguesa, fragmentado-se em uma pá de gavetas disciplinares. John Holloway nos faz lembrar a importância da negatividade. Antes de tudo, é preciso ter a consciência de que o marxismo não passa de uma visão entre outras - ele não é "a" verdade, não é dono desta. É só a partir desta constatação, no entanto trivial aos que não se escondem atrás da máscara da arrogância, que podemos começar a nos mover.
7 comentários:
Gostei!!! É visceral, provocativo, e produz a reflexão... Dá pra fazer uns adendos... gostei da parte da contradição entre as classes omitida pelo nacionalismo... é bom comentar que a idéia dos fascismos é justamente esconder a luta de classes sob o véu do nacionalismo... da pátria...
Com as devidas modificações editoriais, já é um bom artigo indicativo para o jornal...
Abraços libertários
Muito legal o texto, simples e direto. É preciso desparanoidizar o marxismo ;)..
ah sim, só pra lembrar.. coloquei um post sobre: "detenções e tratamentos agressivos na história da loucura" no meu blog: http://muitaluz.blogspot.com pra quem quiser dar uma lida... só não botei aqui pra não encher demais o blog, visto que já havia um texto sobre o assunto (Trabalho e Loucura) que não teve mta repercupção..
Gostei!!
So nao sei até que ponto se pode ler o marxismo muito diferente do que se está escrito. Até quando é válido acreditar em um marxismo "benevolente" ou ser realista e encarar que este é como é e partir para uma nova solução realmente.
Pois onde este foi posto em prática, só ouveram genocídios.
Como diria um amigo: "Marx de cú é Hegel".
Abraços.
"A simetria nos termos da discussão" não é apenas entre stalinismo e capitalismo, é mesmo entre capitalismo e comunismo.
Estes sistemas, por mais diversos que aparentam ser, estão assentados num mesmo universo de referências ordenativas (falo sobre isso no meu último post). São filhos de um mesmo pai.
Nada pode ser posicionar como contrário ou opositivo a algo ou alguém a não ser que esteja eternamente ligada a este algo ou alguém para que sabia, a cada passo, a todo instante, que atitude tomar frente ao inimigo que espera derrotar. Comunismo e capitalismo concorrem pela alma humana.
A insitência em tentar salvar o "verdadeiro" comunismo, dando nomes próprios e particularizantes as conseqüências maléficas de que é indissociável, é tentar isolar, positivamente, um sistema de idéias de suas ações concretas.
Fábio e seu balaio de gatos conceitual. O que dizer? Você é mais pós-moderno que o mais pós-moderno dos pós-modernos (desculpe a redundância). Tem alguma coisa no mundo que você não tenha relativizado? Esta sua relativização de tudo vai te levar prum beco sem saída. Dá pra pensar em política desse jeito? Em ação política? Eu fico aqui imaginando como seria o primeiro Partido Epistemológico Brasileiro...
Destrinchando tudo, vai te sobrar o Nada. E depois, o suicídio. Esta me parece a consequência lógica (oh não, eu aqui de novo me prendendo à formalismos!) de suas reflexões.
O relativismo é realmente uma merda. Assemelha-se à imagem de um espelho colocando em frente a outro, gerando um sem fim de imagens idênticas. Resultado final: paralisia. Resultado do resultado: as coisas continuam "como são" e o que foi pensado vai pro ralo, porque não serviu pra nada a não ser para reproduzir a reflexão. É tautológico.
Sobre o que o Bento disse: "So nao sei até que ponto se pode ler o marxismo muito diferente do que se está escrito" eu gostaria ainda de fazer alguns questionamentos..
Por exemplo, quando a gente lê Freud existem não apenas diferentes leituras, mas diferentes traduções que levam a diferentes leituras, p.ex., Freud usava no alemão o termo Trieb que em inglês foi traduzido como instinto, no entanto, ele também usava Instikt (instinto), segundo os lacanianos em massa a tradução correta seria "Pulsão", dessa forma tirando o freudismo da biologização... tem varias outras questões como traduzir Seele para Mind ao invés de Soul.... acho que a gente encontra as mesmas questões, p. ex, na Biblia como a tradução no Genesis sobre o androgino primevo ou do Adão...
Claro, aqui não se trata exatamente de traduções, mas antes de uma leitura ampla da obra do autor.. eu poderia voltar aos mesmos exemplos que já dei... através da teoria inicial de Freud, Reich foi desenvolver uma teoria psicológica da "Análise do Caráter" com fins revolucionários (negando Thanatos e enfatizando Eros)... tal como tem um pessoal que lê Reich a partir das primeiras obras, um Reich psicanalista e não lê o Reich quando fala de orgone, bions, etc..
Qual a leitura correta? Talvez ambas estejam corretas e falem do mesmo autor em diferentes momentos, talvez ambas não falem do autor, mas de um conjunto de pessoas que tem fins específicos e apenas utilizam esse autor para re-imaginá-lo... acho dificil falar de um "Verdadeiro Marx" seja no marxismo tradicional seja no heterodoxo, mas se forem falar pra eu escolher, claro que prefiro que as leituras de Marx voltem-se contra o Estado....
Ademais, o que vale mais? O nome de um autor ou as práticas de que o utiliza?
Postar um comentário