sábado, 24 de maio de 2008

A todo vapor

Se o blog aqui parou, isso se deve a mudança de site pela qual está passando os diálogos casuais. O novo site encontra-se aqui: http://dialogoscasuais.thunderweb.com.br

Espero que vocês curtam o novo visual e a nova estrutura. Caso tenham idéias, desejem mandar textos ou se correspondem com o pessoal dos diálogos, ficariamos muito honrados.

Até breve. Espero-os no novo site.

Abraços,
Frei Nando.

sábado, 22 de março de 2008

Retomando o fio da meada... ou mediando a retomada da (conversa) fiada



Palavras, faladas, escritas, conversadas...

Retomando (ou "começando" de fato, posto que é um livro [1] que não manuseava há quase dez anos) a leitura de “Conversações” (Editora 34, 1992), de Gilles Deleuze, me deparo com uma frase chapante, que me faz despertar do longo sono letárgico (talvez até lisérgico), que me fez calar diante dos casuais diálogos aqui arrolados na barra de rolagem. Eis o trecho:

“Escrever é um fluxo entre outros, sem nenhum privilégio em relação aos demais, e que entra em relações de corrente, contra-corrente, de redemoinho com outros fluxos, fluxos de merda, de esperma, de fala, de ação, de erotismo, de dinheiro, de política, etc.” (p.17).

Maravilha!

Comecei a pensar que eu, paralisado no meu não-escrever (algo que me paralisa também no meu espaço kAto nigrA, entregue às moscas virtuais), estava me confinando por, talvez, dar importância demais ao “fluxo-escrita”, por achar que ele haveria de ser pomposo, importante, digno de uma prévia preparação para que saltasse ao meio seja-lá-qual-fosse (web, papel, guardanapo...), trajando, no mínimo, uma roupinha “esporte-fino”.

Bobagem!

Deleuze, esse filósofo que bem pouco conheço (como bem pouco conheço todos os filósofos), esse francês, parceiro de Guattari, que, de certa forma, ri dessa atividade escrevinhadora, dessa pompa acadêmica da filosofia ou de qualquer outro conhecimento entronizado.

No texto que li (uma carta, de 1973, a um crítico severo), o filósofo de unhas longas fala justamente disso: da soberba intelectual que trava a experimentação, a criação, o entendimento novo e não-viciado.

Falando de seu livro em parceria com Guattari (“O anti-Édipo”), ele dispara:

“(...) ele é ainda bem acadêmico, bastante comportado, e não chega a ser pop’filosofia ou a pop’análise sonhadas. Mas surpreende-me o seguinte: os que acham sobretudo que este livro é difícil são aqueles com mais cultura, principalmente cultura psicanalítica. [...] os que sabem pouca coisa, os que não estão envenenados pela psicanálise têm menos problemas, e deixam de lado o que não entendem sem preocupação”. (p.16)

Beleza!

Não sei quase nada sobre Deleuze. Não sei se o que ele disse depois disso valeu a pena. Mas posso dizer – com base nessas palavras apenas – que ele mandou bem. Muito bem.

Acho que vai um pouco ao encontro do post anterior, sobre a miséria dos meios universitários (e de tantos outros). Sobre essa empáfia intelectual dos professores, a síndrome de baba-ovação [2] dos aluninhos, a encenação lustrosa de quem surfa pelas ondinhas intelectuais do momento, etceteras e tais.

Chatices!

Lembro até hoje dos aluninhos do curso de história da UFF a babar por causa do tamanho do (opa!) currículo Lattes (ah, bom!) de Ciro Flamarion Cardoso... chamado de “deus” porque saca de língua egípcia, fala sobre ficção científica, disserta facilmente sobre economia colonial, vomita conhecimentos sobre América Latina e, claro, é marxista... o que agrada aos estudantes-militantes do Centro Acadêmico, filiados ao PT, PSTU, PSOL, etc, etc.

Más línguas se perguntavam, nos corredores, se o douto teria tempo de dar um trato na patroa... ou até mesmo se ele não seria uma entidade assexuada. [Para quem tiver curiosidade, dê uma boa e longa rolada de barra no CV do cidadão: http://lattes.cnpq.br/3449605639852165]

Para mim, esse “deus” só vale se puder ser alvo de iconoclastia. Se puder ser confrontado, provocado, contestado. Ninguém merece a tranqüilidade do não-ataque, da não-contestação. Pois é aí que mora a vida, que brota o conhecimento, que nasce algo que não se congela em títulos, currículos ou número de publicações.

E, de certa forma, somos doutrinados a abaixar as orelhas diante de um sumo-sacerdote de seja-lá-qual-assunto. Somos desencorajados a levantar novas questões. Somos enquadrados em esquemas que mantêm seguras as posições dos que ditam regras. E é assim há muito tempo, e em muitos espaços (religião, governo, escola, família...).

Nesse sentido, e de forma inconsciente, me travei de escrever aqui muitas vezes. Lia uma discussão sempre bem embasada dos nobres colegas, ora discorrendo sobre anarquismo, ora sobre manicômios, ora sobre aspectos sociais mais amplos... E pensava: “Bom... vou ler essa seqüência de posts, me inteirar no assunto, ler alguns livros da referência e, aí sim, vou dar o meu pitaco”. Daí que não saía nada, pois já nascia morto.

E eu bem sei, pela índole de meus colegas (que, mais do que virtuais, são amigos reais), que eles pensam de forma semelhante. Sabia que essa travação partia de mim, por não entender que o meu texto era um fluxo como outro qualquer, como o meu fluxo de bosta, de porra, de lágrimas, de ação.

Assim, eu já estava escrevendo (e me inscrevendo) nos atos, no meu dia-a-dia, no meu trabalho, no meu trocar-idéias, nas minhas tantas conversações. Tudo num fluxo, numa rede que não necessita de um ponto de partida e de chegada.


Por isso, há muito tempo abandonei o projeto de ler os clássicos, primeiro, depois os mais recentes; ou ainda, começar a ver os filmes mudos e preto-e-branco, para então, numa cronologia bem limpinha, chegar à produção contemporânea.

Balela!

Comece por onde for, o lugar a chegar se assemelha muito a Quentin Tarantino ou Sófocles.

Somos demasiadamente humanos. Humanamente demasiados.

Nada vai se esgotar aqui. Quando meus fluxos cessarem, outras ondas vão limpar as cagadas na escadaria.

Daí que retomo o fio da meada, ou inauguro de fato, neste post, alguma colaboração.

Mais um fluxo. Outros podem vir. Nada prometo. Nem quero prazos editorias, dead lines ou coisa do gênero. Em certa medida, foi disso que me cansei na pseudo-carreira-jornalística que tive (embora ainda mantenha o mau hábito de ter uma cultura de enciclopédia... E viva as orelhas dos livros!).

Já vou avisando: nada sei sobre Deleuze. Não vou discutir isso.

Ou, talvez, justamente por nada saber... seja interessante discutir Deleuze!

É isso!

Vamos discutir Deleuze!

Bom... Deixemos isso para depois, pois agora vou liberar um fluxo ali no meu banheiro.

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Notas de pé de post:

[1] Na verdade, não um livro em si, mas uma bela fotocópia, que vem esmaecendo seu antigo vigor, perdendo o seu Toner (aquele pó para copiadoras) encorpado, sendo devorado pelo tempo, ficando semi-apagado, mas ainda acessível aos olhos com 0,75 de miopia. Uma fotocópia abusada, que diz “foda-se” à advertência, ironicamente xerocada, no início da obra: “A FOTOCÓPIA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO É ILEGAL, E CONFIGURA UMA APROPRIAÇÃO INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUAIS E PATRIMONIAIS DO AUTOR”. Bullshit! Conhecimento não se vende! Abaixo à lógica capitalista que quer pôr cercas em tudo, quer definir propriedade em tudo!

[2] Caros leitores, não se espantem com minha proposital atitude de vomitar neologismos, palavras toscas, construções tortas, etc, etc. Andei por muito tempo amarrado às fórmulas textuais exigidas, ao cumprimento do lead jornalístico, aos ditames dos manuais de redação acadêmica (blérg!). Óbvio que formalidades são necessárias em determinadas situações lingüísticas, pero... estoy acá para relajar.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Da miséria do meio estudantil-universitário


Pode-se afirmar sem grande risco de erro, que não há ser mais universalmente admirado no Brasil(depois dos atores globais e do BOPE) que o estudante universitário. A universidade, esta mãe gorda e gentil que acalenta os sonhos mercantilizados(ou seja, tornar-se dirigente de algum projeto revolucionário ou de algum holding transnacional – no fundo ambas costumam funcionar sob a mesma estrutura hierárquico-organizacional)[1] do estudante universitário, geralmente está circunscrita numa formação geográfica rodeada de mar, que os professores chamam carinhosamente de “linguagem acadêmica” e que é a responsável pelo lustro da armadura moral que o universitário tem de vestir na selva de pedra do conhecimento senso comum.

Não há mais dúvida, dentro do atual esquema de organização econômica e social, que há uma função central do universitário que corresponde às expectativas dos controladores deste sistema(gestores de capital [2] e gestores de trabalhadores [3]), que é a manutenção do status quo e das estruturas de poder, estruturas que o retro-alimentam e já fazem parte das mais modernas técnicas de engenharia social: a simulação. Esta estrutura é indispensável à ilusão democrática, já que mercantiliza a rebeldia em forma de tinta-guache para caras-pintadas ou papel carbono para cédulas de eleições do C.A dando a impressão de que há por fim uma esquerda oposicionista “radical”(a dona-de-casa iludida acredita piamente que seu rapazote de 23 anos vai ao encontro nacional de estudantes de sua categoria para resolver o problema da classe trabalhadora e da opressão por gênero, mas isto não é o pior, ele também!).

Cientes desta incrível capacidade de dissimular, não é de se espantar a quantidade de micro-exércitos da salvação(com suas hierarquias vermelhas, medalhinhas e fardas) atuando dentro do seio da mater universidade; todos querem apropriar-se dos melhores “quadros” da elite intelectual de dissimuladores do país, para endossarem seus projetos de conquista do poder com uma base social dirigida, também chamada pelos esquerdistas e autonomistas de rebanho.[4]

Mas criar simuladores de rebeldia e novos(velhos) forjadores de consciência crítica custa tempo e dinheiro ao estado brasileiro, é bom lembrarmos que o dinheiro, muito além de ser um meio de circulação, e específicamente o dinheiro do estado é obtido através de impostos(ou seja, este imposto é pago pela exploração dos trabalhadores da sua aula de sociologia I), ou seja mais-valia em circulação(este conceito novo, criativo, tesudo e revolucionário é meu).

Vejamos o exemplo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, universidade pública[5] que custa aos cofres públicos anualmente cerca de(lembremos: exploração e mais-valia acumulada) 525,7 milhões, dinheiro suficiente para construir 8.750 casas populares. Didáticamente o esquema funciona assim: os trabalhadores(os explorados da aula de sociologia I, isto cai na prova, anote) sustentam a universidade, que por sua vez vai gerar a elite intelectual do país.

Lembremos que segundo um pensador francês desconhecido citado pelo diploma de seu professor, esquematicamente a elite intelectual se divide em dois grupos: a) gestores de capital e b) gestores de trabalhadores e é óbvio que há aqueles que se enquadram nos dois grupos(como o governo do Pt por exemplo). Esta elite por sua vez, decide como o dinheiro do governo vai ser aplicado(entram em cena os gestores do capital) ou dizer como os trabalhadores devem se comportar frente à aplicação deste recurso(entram em cena os gestores de trabalhadores). Além disso, são eles que decidem como a casa vai ser construída, o que é o conceito de moradia segundo Foucault e Marx, a epistemologia do discurso dialético na composição arquitetônica da miséria, e por fim, quem realmente tem a culpa nisto tudo(o neo-liberalismo, o governo lula, mas jamais aponte o dedo para si mesmo!).

Felizmente, há gente mal instruída, lutando por terra, ocupando prédios abandonados, lutando por trabalho, enfrentando o estado e o capital, mas não se preocupe estudante! Você ainda pode assistir tudo de camarote, você paga meia-entrada!!!

Por Mr. Durden Poulain (que por um acaso infeliz do destino também é estudante universitário mas não vê a hora de sair desta condição pútrida e vil)

pseudocontos@gmail.com http://dedoscruzados.blogspot.com

[1] Se fracassar nesse aspecto tem em aberto algumas opções: dar aulas em escolas e universidades e formar outros universitários para reproduzirem o processo(os chamados psico-demagogos).

[2] Os gestores de capital são vulgarmente chamados de “capitalistas”.

[3] Os gestores de trabalhadores são vulgarmente chamados de “partidos políticos”.

[4]. Esquerdismo é “(...)o que é mais radical do que meu partido reformista consegue ser e aquilo que eu não consigo aparelhar...” ou segundo Lênin, uma doença de pele infanto-juvenil.

[5] Definição de Público segundo o Dicionário Ediouro da Língua Portuguesa: 1. Do ou relativo ao povo; 2. De uso comum. Evidentemente não se aplica de nenhuma forma ao caso citado.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Ex-pE(NTE)lh(ando) a alma do blog..


Estava pensando sobre este blog, sobre sua dinâmica, sobre como ele atua, especialmente em sua interioridade. Pensava sobre os posts, sobre a organização teórica e prática das pessoas que aqui se manifestam. É engraçado, os posts realmente parecem ser polimorfos, assuntos variados, formas variadas de escrita, até mesmo pensamentos diversos, entretanto, existe um nexo comum, eu diria até mesmo um desejo de estar-com.

Não sei se é exatamente dessa forma, uma comunidade de escritores, ou pseudo escritores. Não sei se posso chamar assim, mas me parece algo parecido. Não tanto uma escola, como brincamos uma vez, a escola de Isabelfurt: mais uma comunidade. Escolas normalmente exigem uma espécie de institucionalização: formação, instrução, e, normalmente, hierarquia. Não também uma comunidade qualquer, mas algo como um carnaval, como disse num antigo posto do blog. Certo é que esta fantasia carnavalesca é de todo minha, alguns talvez sejam mais sérios que eu, não que eu ache que ver tudo isso como fantasia carnavalesca não seja sério: ao contrário, é bem sério. Talvez uma palavra melhor que carnaval seja politeísmo.

É comum vermos dissidências neste espaço: remeto os leitores, p.ex., a longa discussão sobre H.Bey e Booktchin, e também mesmo a toda discussão atual sobre luta de classes, a qual preferi mani-festar-me apenas através de comentários. Flashes rápidos e leitores desatentos podem enganar-se ao ler este blog, isso pode ser visto mesmo no último post sobre luta de classes. Quando falo em meu comentário: “A luta de classes não existe” este é um enunciado de choque, da mesma forma que pode chocar a um militante de esquerda quando o Guerra critica da maneira tão aberta aspectos da luta de classes. De outro lado, quando o Mr.Durden se refere a capacidade política dos cidadãos a luz do anarquismo no seu post retoma a positividade das potencias políticas, vê as coisas através de um aspecto mais positivo, de um sentido mais próximo ao anarquismo histórico e organizado, ai, talvez, possa afastar pessoas interessadas apenas em diversão, pós-modernos e afins, aliás, não sou poucas as porradas neste grupo.

Alguns integrantes do blog, dentre os quais me incluo, estão organizando agora um pequeno jornal, chamado Colapso. Acho que o caminho deste jornal não tem como ser diferente. A pergunta persiste: por que se deveria ter atenção ao ler este blog, ao ler o futuro Colapso? Talvez porque é possível observar apenas as divergências e não ver o nexo comum que os autores aqui compartilham, ou, as vezes, tentam desesperadamente compartilhar. Nosso blog me parece estar entre uma linha de fogo, é possível que seja esse o preço pago por não se estar “nem aqui nem lá”. Por um lado sofremos criticas de nossa modernidade, estamos caducos, somos Senex (velhos), tradicionais, clássicos, ranzinzas: queremos salvar a luta de classes, salvar o comunismo (mesmo que o anarco-comunismo), queremos salvar o ideal revolucionário. Por outro, somos os pós-modernos, sob a sombra do Puer Aeternus (eterno adolescente). Estamos na linha de frente de um pensamento esquizofrênico, ou, pelo menos, esquizofreniforme, que perde suas raízes com as massas, um pensamentinho intelectualoide e bestoide, divertidinho, louco, que não tem nexo com a suposta realidade. Me parece que o blog, entendido como entidade, toca ambos os pontos sem se fixar em nenhum. Não me entendam mal, não existe aqui apenas um mito de unificação, mas também um Thanatos, um desejo ardente de separação...

Não quero ficar aqui como apologético, nem como crítico, mas devo ressaltar que em muito me agrada não apenas o caráter anti-autoritário, anti-estatal, revolucionário do blog, um caminho que não se limita a um aspecto econômico, social, mitológico, epistemológico, mas também sua estrada múltipla, de bifurcações das mais inusitadas, inesperadas, intempestivas, todo seu colorido anti-monoteista, que procura re-visar – como uma midrash judaica - as mais diversas frontes, nem que seja colocando uma nova vírgula onde havia um ponto final.

A este post, um tanto estranho, espero que sirva para abrir discussões sobre a própria dinâmica do blog, como um olhar no espelho, um olhar rápido, não aquele que se prende ao espelho, não um Narciso. Que ecoe, mas não como uma Eco. Acredito que o blog está em luta ainda, cria alguma luta, e fornece óculos e armas as mais variadas a diferentes estilos de atitude, luta, transformação. Seja numa organização, seja no próprio cotidiano: na faculdade, no trabalho, no estágio, na relação com o vizinho.

O post também não deixa de ser uma pergunta aos supostos leitores do blog, digo supostos porque não sei se de fato se este blog tem leitores, rs. Talvez a sua estranha interface ajude nesta des-leitorização... Sem um tema específico, sem um estilo de linguagem único, sem um Deus único aceito incondicionalmente... A pergunta fica: como vocês vêem isso tudo? Toda essa bagunça organizada? Como criar interfaces significativas para o novo milênio? Como, para que, e onde trans-formar – o mundo, as relações, o blog?

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Questão EEP

No presente texto abordarei questões relacionadas ao “nascimento do hospital” e aos seus pressupostos iniciais, mostrando de que forma esses pressupostos ajudam a compor algumas práticas de poder e, também, de que forma mecanismos de poder podem produzir: saberes, práticas, etc. Abordarei, brevemente, três dimensões que se fazem presentes em uma série de fenômenos sociais, relacionais, culturais e produzem comportamentos, instituições, etc. Essas três instâncias são: economia, epistemologia e poder disciplinar. O texto não está muito divertido, é verdade, mas acabei resolvendo publicá-lo devido ao longo tempo que eu estava sem escrever, e, logo, sem coragem para prosseguir em textos mais marcados estilísticamente, mais belos ou fluidos. Adentremos, pois, este mundo hospitalienar..


Hoje em dia é bastante fácil pensar nos determinantes econômicos de uma série de atos de poder, pipocam análises sociológicas que levam em consideração esses efeitos. Quem negaria as influencias econômicas colocadas, p.ex., na presidência de W.Bush, em toda guerra do Iraque, em toda disputa de poder entre as grandes empresas, desconsiderando qualquer humanidade, qualquer vida pessoal. Quem negaria as influencias econômicas em atos de poder como na dominação territorial, como na repressão a uma ocupação urbana, num assentamento?

Muito justo. Eu ainda ampliaria esse quadro, as influências econômicas atravessam uma série de fenômenos cotidianos, onde o “deus dinheiro” dificilmente é esquecido e, quando é, certamente mostra seu ciúme como um novo Iavé. Nessas análises, poderíamos lembrar que na invenção do hospital, enquanto modelo médico e não mais religioso ou filantrópico, ainda no século XVIII, uma das grandes questões, p.ex., na hospitalização inglesa era o tratamento do corpo do trabalhador para que este pudesse trabalhar de maneira mais produtiva (não seria o mesmo ideal que o modelo médico-assistencial privativista irá utilizar no Brasil depois de 1965?). Evidentemente podemos ampliar essas questões no âmbito do próprio hospital. No Brasil, a medicina do início do século XX até 1960, estava orientada por um modelo chamado de “Sanitarismo Campanhista” (Mendes, 1996). Esse modelo foi influenciado sobretudo pela economia agroexportadora da época, e utilizou sua “teoria dos germes” em ações que visavam a política de saneamento dos espaços de circulação das mercadorias e erradicação das doenças que poderiam prejudicar a exportação.

Voltaremos ainda a questões econômicas, mas me parece que o modelo econômico isoladamente, enquanto ente, não esgota a complexidade das questões colocadas: sejam de uma história moderna ou mesmo contemporânea. Por exemplo, temos que abrir margem a outras questões que atravessaram esse modelo sanitarista campanhista: era um modelo de inspiração militarista, um modelo repressivo de combate as doenças de massa. Epistemologicamente, ainda, era um modelo monocausal e sensitivista. Abrimos, portanto, mais dois leques de questão, um referente à questão do poder: um poder que não mais é composto apenas de negatividade, ou seja, não se dá apenas a partir da repressão, do recalque, do ocultamento, mas é um poder que cria, produz, o que Foucault irá chamar de “poder disciplinar” ou um poder composto de positividade, nas palavras do próprio: “É preciso parar de descrever os efeitos do poder em termos negativos: ele ‘exclui’, ele ‘reprime’, ‘ele recalca’, ele ‘censura’, ‘ele abstrai’, ele ‘mascara’, ele ‘esconde’. De fato, o poder produz; ele produz real, produz domínios de objetos e rituais de verdade”. Podemos lembrar, apenas em prol de uma ampliação do conceito e, logo, do entendimento, alguns âmbitos que esse poder disciplinar atua: na arte espacial dos indivíduos, o controle no desenvolvimento da ação e não no seu termino, vigilância perpétua e constante dos indivíduos (de preferência a partir de uma hierarquia, onde a própria população vigie a si mesma), registro contínuo.

Através dessa análise do poder, dessa genealogia, ao menos até certo ponto, podemos continuar cerceando a questão do nascimento do hospital. Não o nascimento do hospital enquanto materialidade, enquanto lugar, mas enquanto lugar de cura, de tratamento: o hospital, antes do século XVIII, especialmente antes de 1780, era como já dito, um lugar que de controle religioso: um lugar onde se morria. Havia no hospital uma cura, mas que se referenciava mais a uma cura espiritual, de passagem para a morte, uma espécie de salvação ritual. O hospital vai aparecer com a medicalização primeiramente nos ambientes militares e marítimos, a primeira intervenção medica seria intervir não de modo curativo, mas impedir que os focos de doença se espalhassem, evitando a desordem econômica ou da doença. Logo, se enclausurarão esses doentes e os distribuirão em espaços onde possam ser vigiados, sendo registrado o que acontece. Existem outras questões aqui, mas não nos alonguemos.

Importa pensar também a outra dimensão citada, ou seja, pensar de que modo também a epistemologia atravessa saberes, poderes, subjetividades e ajuda a compor constituições diversas. No século XVIII o principal modelo epistemológico, para a medicina, era o da botânica, o modelo classificatório de Lineu. Segundo Foucault: “Isto significa a exigência da doença ser entendida como um fenômeno natural”. E ainda mais, a psiquiatria em seu começo vai utilizar uma série de idéias da ciência clássica como: a neutralidade da ciência, a naturalidade do encontrado (ex: um sintoma), ou seja, a idéia de verdade natural, o homem é homem da Razão, etc. Algumas idéias que dão base a ciência agenciarão uma série de condutas e novos conceitos como o de: isolamento terapêutico, degeneração, alienação, doença mental, normalidade/anormalidade, terapêutica/cura. São idéias como essa que possibilitarão a emergência do manicômio. Segundo Paulo Amarante:

“Foi no contexto teórico das ciências naturais e do sensitivismo, inspirado tanto em Lineu e Buffon quanto em Locke e Condillac, que Phillipe Pinel produziu seu Traité médico-philosophique sur l´aliénation mental ou la manie, no qual apresentou o conceito de alienação mental e consolidou a prática sistemática do internamento da loucura. Embora o conceito de alienação não signifique ausência abstrata de razão, mas somente contradição na razão, como afirmava Hegel, essa contradição impossibilita a razão absoluta. Portanto, segundo Pinel, aquele em cuja razão existe tal contradição é um alienado, o que o torna incapaz de julgar e de escolher; incapaz mesmo de ser livre e cidadão, pois a liberdade e a cidadania implicam direito e possibilidade de escolha”.

Acredito que, embora longe de definir qualquer coisa, os exemplos mostrados possam abrir discussão sobre de que forma diferentes instancias do saber, do poder ou da prática modificam as relações e construções numa determinada sociedade. Talvez seja mesmo possível observar que essas instancias se interpenetram, se dialetizam, ou se multiplicam através de possíveis embates. Eu já havia observado em outro post algumas relações entre Epistemologia e Poder (cf. Epistemologia, Poder e Paranóia), agora acho que elas ficam ainda mais claras, assim como as relações entre Epistemologia e Economia, especialmente se lembrarmos do post sobre Trabalho e Loucura (cf. no blog). Ainda não adentrei numa questão que muito me interessa, que o Alexandre tem escrito sobre, através da questão da Luta de Classes, a questão da formação da subjetividade.

Parece-me, antes de tudo, que não podemos simplificá-la, é importante observar a complexidade do assunto, assim como a impossibilidade de uma explicação monocausal, na verdade, eu ousaria dizer, mesmo de uma explicação puramente causal. Quando falamos em subjetividade falamos sempre de algo que escapa, mas que ao mesmo tempo pode e deve ser colocada em jogo.
(imagem: família enferma de Lasar Segall, 1920)
Referências:
Foucault, M. Microfísica do poder, 2007.
Mendes, O Sistema Único de Saúde: um processo em construção. 1996.
Amarante. P. Sobre duas Proposições Relacionadas à Clinica e à Reforma Psiquiátrica, in Psicanálise e Psiquiatria: controvérsias e convergências. 2001.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Ainda sobre luta de classes e a questão do sujeito

No último texto, tratei das limitações da luta de classes a partir do prisma de análise do sujeito. Constatei a visão de curto alcance da esquerda em relação ao tema. Neste texto, quero tratar do outro lado da questão, o complemento necessário. O pessimismo absoluto é tão infantil quanto o otimismo absoluto. Convém afirmar, em primeiro lugar, que a reificação sob o capitalismo não pode nunca ser completa. Por mais que os conflitos sejam em sua maioria pautados por uma demanda de reconhecimento institucional (como no recente caso dos subúrbios parisienses) ou aconteçam sob o signo da necessidade econômica impingida na forma de luta por salários, melhores condições de trabalho etc, não existe identidade pura e simples entre o movimento e os seus objetivos imediatos. Em outras palavras, o movimento nunca É aquilo que aparenta ser. No fundo, o que é, é mais do que é. Isso não é um passe de mágica, mas dialética. Uma leitura antiidentitária implica em reconhecer que por baixo do real existe uma gama de possibilidades. A dialética não diz mais que isso - o fato de que o conceituado foge ao conceito. Pensar é classificar, dizia Adorno. No entanto, a realidade contraria o pensamento, transformando-se incessantemente sob o ritmo do Tempo. O classificado transborda a categoria que lhe impuseram, cria ramificações, se expande (pensemos na figura do Incrível Hulk rasgando suas roupas). Isso vale sobretudo para pensar os movimentos sociais e os conflitos no capitalismo contemporâneo. Existe ali sempre algo a dizer, algo que não foi visto ou previsto, uma potência adormecida, potentia como possibilidade.

Do ponto de vista teórico-abstrato, pode ser conveniente distinguir dois níveis fundamentais do conflito. O primeiro nível é o da luta em nome das necessidades - tais como elas foram nomeadas pelo sistema -, o da luta por melhores salários e condições de trabalho, terra, distribuição de renda, cidadania, reformas sociais etc. Este é o nível rasteiro dos conflitos. Do outro lado temos o nível mais perigoso de necessidades e desejos (sem romantismo) que não correspondem diretamente à organização social capitalista. Podemos falar de um conjunto de necessidades que não são facilmente ludibriadas pela sociedade de consumo e que escapam ao escopo do Estado e do mercado. São a autodeterminação e a comunidade. São os Zapatistas no México e os squats na Europa. São novas formas de relação social sendo gestadas no ventre da velha sociedade. Entre um pólo e outro existe uma ponte - incerta, estreita, sempre balançando ao vento. Mas essa distinção, como já disse antes, só é possível na teoria, do ponto de vista arbitrário de quem está sentado com a mão no queixo. A prática é muito mais complexa, comportando um sem fim de conexões e des-conexões, encontros e desencontros. Assim, uma luta sindical pela redução da jornada de trabalho pode vir a desaguar numa luta pela auto-atividade, numa luta anti-trabalho... e assim por diante. No calor do conflito, não há garantias. A explosão da subjetividade coletiva num protesto pode resultar em dias, meses (quiçá anos) de jornada revolucionária (citemos Oaxaca, por ex., ou os estudantes e trabalhadores/as franceses durante o mês de Maio de 1968...). Mas é preciso estar consciente de que, apesar dos pesares, a internalização da ordem existe e nós não estamos isentos das contradições da sociedade capitalista. Não existe mais espaço para uma teoria do Proletariado redentor, e acho que nisso todos nós concordamos.

O ponto de esperança reside, portanto, em "comer cenouras" e visualizar além da realidade imediata. Farejar as fraquezas do capitalismo deve ser o propósito de uma teoria crítica-revolucionária. As relações sociais não estão constituídas de uma vez por todas (é a reificação que nos faz enxergá-las deste modo). Elas estão sendo constituídas, quebradas e re-constituídas a todo instante, dentro do jogo social. O capitalismo nos contraria, dizendo que não, as relações sociais estão postas e acabou. Ele quer nos fazer acreditar que ele foi estabelecido uma vez lá atrás na história e que agora teremos que suportá-lo sem escapatória. Nós dizemos que não, que ele só existe a partir do momento em que acordamos debaixo do som irritante do despertador e nos dispomos a vender nossa força de trabalho, ou no caso dos estudantes, nos dispomos a deixarem outros trabalhadores/as nos formarem enquanto força de trabalho. O capital existe em função do trabalho, o patrão em função do empregado, o governante em função do governado. Se o governado se ergue em suas próprias pernas e se nega a ser governado, o governante deixa de existir, e ambos passam a se relacionar de forma livre. Mas a relação de autoridade é constituída de maneira tal que o governado acredita que existe em função do governante, e não o contrário. Aí é que mora o efeito trincado da dominação.

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É preciso também ter consciência do potencial de crise do capitalismo. Apesar de tudo, Kurz não é só um maluco com ânsia de ser o próximo profeta do fim do capitalismo. Alguns de seus apontamentos são bem lúcidos, como demonstrou o recente vacilo da economia norte-americana pelo viés do abalo do mercado imobiliário. Na sua corrida para provar os limites lógicos da acumulação capitalista, Kurz teve algumas boas sacadas. Há limites estruturais hoje que estão completamente esgarçados, e que só não explodiram por conta das artimanhas do capital (crédito, guerras de ordenamento, estado de sítio permanente). Kurz não é bobo. Ele não acredita em "superação automática" do capitalismo... pelo contrário, ele é ciente da merda que isso pode causar. Se estamos indo "com todo vapor ao colapso", é hora de pular fora, e não de colocar mais lenha na caldeira !!!!