segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Paranóia Social

Depois do último texto esvaziado de observações, que dá a impressão de sua infuncionabilidade proponho outro modus operandi: após o texto rechecado de história e opus citatum venho com um texto miserável, incerto, que nem eu sei se concordo, talvez assim eu fique cool, cult e seja reconhecido pela massa underground. Depois de tantos paradoxos, vamos ao que importa, ou exporta, qualquer coisa legível (?):

Falávamos sobre violência e, sim, também sobre pós-modernismos: além é claro da loucura clássica. Falemos, pois, da paranóia: desarranjo mental, loucura, délire, demência. ‘Para’ + ‘Noia’: pensamento paralelo, pensamento desligado, defeituoso, derouté, entgleist, fora dos trilhos. É importante considerarmos que a paranóia “é” uma desordem do pensamento, uma desordem mental paradigmática onde uma de suas características essenciais é o delírio. Delírios de grandeza ou megalomaníacos, de perseguição, de ciúmes, de referência, etc. A psiquiatria habitualmente define delírio como julgamento falso sobre a realidade sendo impermeável a qualquer averiguação lógica ou evidência dos sentidos.

Eu acrescentaria que a paranóia, ao ser uma desordem do significado, é literlizante. Dessa forma ao lidar com vozes, visões, percepções, sonhos, o paranóico concretiza e literaliza toda narrativa: é Deus quem fala comigo, tenho uma missão, sou eu quem salvará a humanidade dos inimigos, se trata de uma missão cósmica e estou recebendo comandos divinos. Se existe uma necessidade de contato com o feminino ele é literalizado como no onipresente caso Schreber onde ele precisava emascular-se, remover-se da categoria dos homens.

Mas, afinal, o que a paranóia em haver com a política, com o Socius? Ora, o Alexandre já lembrou a “paranóia” da direita, remetendo o topo da pirâmide da nossa sociedade a esquerda, uma esquerda diabólica e sinistra. Isso é uma típica atitude paranóica, de literalização e projeção da sombra, tal como a esquerda também o faz em movimento oposto, um exemplo típico são algumas muitas pessoas dentro do movimento político-musical. Esse tipo de movimento paranóico acaba por gerar atitudes graves e severos controles, sejam estes controles exercidos através de policias secretas, exército, vigilância eletrônica, mídia de massa, ditadura do proletário, medo de fraqueza, repressão dos movimentos sociais, das minorias, repressão do diferente, etc. Esse movimento de certo modo é um assassinato da alma.

Alma em latim é anima e Jung a associava ao feminino no homem, ao que há de desconhecido, a ligação com o inconsciente, etc. Acrescentemos a esse quadro que a anima tem uma ligação fundamental com a metáfora, com a sensibilidade, pluralidade, com o humor, a estética e a suavidade. Não é por menos que James Hillman falará: “É preciso fazer alma no mundo” retomando a antiga imagem neo-platônica de anima mundi. Aqui no blog temos associado a necessidade de conjunção, de ligação entre opostos como falamos com Eros, como falamos através de Hermes: conjunções diversas, criação de fluidez, Eros e Thanatos, Apolo e Dioniso, Narciso e Eco.

Se é preciso fazer alma no mundo é preciso desliteralizar os movimentos paranóicos, sejam estes estatais ou teológicos, científicos ou religiosos, muito embora muitas vezes ambos andem de mãos dadas. Schereber não foi capaz de superar a paranóia, pois se considerou liberto da dúvida e sua libertação o aprisionou, aprisionou-o na revelação, no delírio. A revelação se não puder ser cotidiana acaba gerando algumas complicações, pois a sua característica é obnubilar a consciência, isto é, diminuí-la, é o que chamamos de abaissement du nivau mental (abaixamento do nível mental). Toda revelação é um movimento afetivo intenso, dessa forma toma o foco da consciência para um único fenômeno, o que pode ter em si problemas ou desproblemas. Certo que existem pessoas que dizem que não ter uma obsessão é coisa do cidadão ordinário, no pior sentido da palavra. O problema talvez exista quando achamos que a única possível revelação se refere a nossa revelação, a que acontece para nós, esta mesmo que está em foco, isso impossibilita e turva a visão para a própria alma do mundo, a profundidade de cada fenômeno, a própria fala da cidade para conosco, brincando perto dos situacionistas.

Assumimos que muitas vezes mecanismos de defesa são utilizados: se para Bush o Iraque, o Afeganistão ou a Venezuela são o mal, estão traindo a ordem do capitalismo e da “democracia” (?) esse movimento acaba por direcionar a atenção a eventos externos, impedindo que a população possa olhar para os problemas do próprio pais, de sua própria cidade. Da mesma maneira ao errarmos, ao nos tornarmos mesmo esquerdistas, os próprios fascistas, tendemos inversamente ao grau de autoritarismo a acreditar que o que falamos se revela como verdade, como iluminação. Não se trata aqui de criar uma política anti-iluminação, anti-revelação, mas antes de entender as próprias revelações, as próprias iluminações como ficções, como piadas ou como ilusões heurísticas, quer dizer, ilusões que permitam movimentos benéficos para si ou para a coletividade que estamos inseridos. Um exemplo clássico de projeção de sombras era a situação bi-polar da guerra fria, que embora mascare movimentos idênticos, não deixou de deixar suas marcas dualistas óbvias: Deus e o Diabo se confrontavam no além humano do imaginário humano.

Esse ensaio é apenas uma abertura, não estou certo de onde ele exatamente pode nos levar, mas abro o assunto, caminhos tentando ampliá-los através das analogias míticas, históricas. Jaques Lacan irá dizer que a tarefa do analista é mais fazer o sujeito vacilar do que propriamente revelar-lhe significados, isso é uma questão contemporânea e de difícil conclusão. A certeza é uma condição da paranóia, mas também da psicose (saber "o real" aquilo que se mostra) falta da dúvida, ou mesmo a foraclusão do nome do pai (Lacan), isto é, ausência de desejo que seria provocada pela Falta¹. As teorias que se pretendem totalizantes, encontram ai uma problemática, incluindo o marxismo e talvez qualquer anarquismo que se proponha a um modelo universal e de economia única. É impossível um modelo organizacional para todos os anarquistas, é impossível uma única maneira de ação, isso só se tornaria possível através da explicação vertical do know how explicado por uma suposta elite intelectual... enfim, nem sei mais para onde ir..
¹ - Será que poderemos com James Hillman mostrar que a psicanálise é paranóica em relação a sexualidade e os junguianos em relação ao Self? Será que a sexualidade e o Self agem como se fossem um IHVH (Iavé) ciumento que não permite outro Deus?

7 comentários:

Mr. Durden Poulain disse...

Enfim, um texto mais prazeroso.

Interessante você citar a guerra fria... tenho alguns materiais que posso tirar a poeira para complementar teu texto... Realmente a guerra fria foi o auge da paranóia... da projeção do temor no "outro"... Um exemplo em proporções gigantescas do que a falta de auto-conhecimento pode provocar... velhas dicotomias...

Deixo a dica de filme: "Sob a neblina da Guerra" The fog of War. conta a história da guerra fria mediante relatos de John Macnmara(se não me engano é o nome do puto) secretário de defesa dos EUA durante anos... é um documentário bem interessante...

Achei que vc ia desenvolver a questão em relação a contra cultura... ficou devendo...

até logo!

Fernando Beserra disse...

Eu acho que vi esse documentário quando fiz estudos históricos contemporaneos... eu tenho algum material tb, e aliás eu até começei a ler o txt do João, só que não continuei.. o txt parece que trata do assunto...

de qualquer maneira, o texto não foi exatamente sobre isso, apesar da guerra fria ser um exemplo em perspectiva macro da paranóia..

Anônimo disse...

Um texto leve de ler, menos condensado, o que não significa que seja fácil de entender. rs

Parece que o que se sobressai aí é a explicação sobre a paranóia e da sua relação com o poder. O texto acaba, porém, com outro tipo de apelo - não nos deixar obscurecer por nossas próprias revelações (?). Confesso que o sentido do texto não ficou muito claro para mim.

Eu entendo que é preciso nos desfazer de nossas obsessões para elevar nossa sensibilidade. É muito comum que nos debates, principalmente políticos, imputemos aos outros uma voz emprestada, que não lhes pertence, empréstimo este garantido pelas nossas fantasias e expectativas em relação ao outro. É isso que venho chamando de preconceito. O preconceito se expressa ainda mais fortemente quando rotulamos o indivíduo: marxista, anarquista, cientificista, liberal, reacionário etc. Trata-se de uma pré-suposição do que o outro dirá antes mesmo de o fazer.

Todavia, esta faculdade de atribuir a outrem uma opinião que não é sua é uma violência, uma atitude autoritária, algo que apaga a individualidade (singularidade) da pessoa que nos dirige a palavra. As possibilidade abertas, não-previstas, vão pro ralo. Tem a ver com isso?

Pois essa é uma atitude que, em qualquer âmbito, impediria uma democratização maior das situações, pois a gama de possibilidades seria inevitavelmente reduzida.

Fernando Beserra disse...

Não é somente isso Alexandre. Eu gostaria de exemplificar através de fenômenos observaveis. Um exemplo já foi dado: a guerra fria, mas vou além. Espero responder com esse comentário, e com este post, a discussão que se iniciou no outro post.

Um punk e um skinhead em plena guerra se encontram, muitas vezes, em situações paranóicas: ambos literalizam o Real através de suas certezas, quer dizer, é indiscutível o fato da superioridade de suas propostas, é indiscutivel, impermeavel não só a argumentos lógicos, mas a toda sorte de argumentos.

Então é a guerra permanente, uma guerra sem fim, dem dialética ou sem aceitação da alteridade: nenhum dos dois artifícios pode ser usado. É uma dualidade aparentemente inrresolvível, talvez apenas o particular possa se resolver nessa guerra, mas dificilmente o coletivo.

Funcionamos neste caso como se defendessemos uma posição monoteista, ou mesmo dualista, quer dizer: o fascismo ou punkismo (ou mesmo o anarquismo) tomam a posição de um Deus, mas um Deus ciumento, que devasta aquilo que é diferente de si mesmo, não pode aceitar a alteridade existente.

Voltando a discussão no outro tópico: eu não sou anarquista ontológico, nem anarquista social, mas isso não me impede de ver ambos com um certo colorido especial, quer dizer, não como opostos incomplementares, mas como formas de fazer significativas para o mundo, para seus participantes e para o anarquismo de forma geral. O fato deu atualmente não estar participando de um movimento organizado não exclui que minha visão alcance este de forma bela, da mesma forma que aprecio o vegetarianismo "não monoteista"... O fato de algo ser bom não implica que eu deva fazer parte dele.

O dizer sobre o outro é uma ourta questão, apesar de se interrelacionar com esta. É a questão da projeção, isto é, não deixamos o outro falar de si, se mostrar (Alethéia), mas falamos antecipadamente dele, projetando, dependendo da situação, não apenas sombras, mas também uma Imago Dei, um arquétipo do salvador (ex: Lulinha), um paraiso ,etc..

JH disse...

putz...

só sei uma coisa: se os únicos a lerem este blog somos nós mesmos, só lamento pelos que não estão lendo.

este último post foi um brilho... chapante.

e, como foi dito no último parágrafo, fez vacilar... e fez sambar, cambalear, despirocar...

abalando as certezas, gelando as cervejas.

é isso aí!

Anônimo disse...

anti-edipo detected

Mr. Durden Poulain disse...

"¹(...) e os junguianos em relação ao Self? Será que a sexualidade e o Self agem como se fossem um IHVH (Iavé) ciumento que não permite outro Deus?"

Foi exatamente o que eu comentei em nosso último e polêmico encontro.

Não tinha lido isto aqui. Mas passa por aquela discussão... Foi bom ler isto aqui, por que para mim encerrou TODO um ciclo teórico... interessante...