sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Falar de violência, e talvez mais ainda de criminalidade, é complicado. Isso é algo que a esquerda no Brasil não quer reconhecer, e... a população em geral. Quando se põe o assunto em pauta, existe já uma certa resposta "pronta": a criminalidade é fruto da desigualdade social, falta de oportunidades, de alternativas etc. É assim que os clichês sociólogicos se reproduzem em larga escala na opinião pública. Toda vez que o telejornal resolve fazer um complemento da notícia, ou então "discutir" o problema da criminalidade, lá vem a figura do sociólogo. Este lança na boca do povo o novo "refrão" da academia: invisibilidade social, sociedade de consumo etc. Tudo isso é interessante de ser pensado, e claro, não quero bancar o arrogante e dizer que isso não contribui para a questão. O problema é que muito disso é absorvido a-criticamente, e como de praxe, os nossos papaguaios saem por aí, nos bate-papos da vida, prontos para colocar a agulha no vinil. Aí, pronto: os conceitos se transformam em barulho de fundo. A preguiça intelectual os produziu deste jeito, e eles devem, por sua vez, fortalecê-la. Não tiro razão de certos liberais, por exemplo, quando vêm nos questionar sobre as causas da criminalidade: ora, sem a causa principal da criminalidade é a desigualdade social produzida pelo capitalismo, como explicar que, num país pobre como a Índia, e cheio de desnivelamentos devido ao sistema de castas, haja um índice muito menor de violência que no Brasil? Ou sei lá... existem vários outros exemplos.

A criminalidade e a violência são fatos complexos. O que acontece é que, desde há muito tempo, a esquerda padece de um mal - a preguiça intelectual. Ser de esquerda hoje já não significa ser um "opositor". Ser um "opositor" na política, ou anti-politicamente no caso do anarquismo, seria fazer parte de uma minoria insatisfeita. Mas, ora bolas, desde quando a esquerda é minoria? É só contar a partir do momento em que Che Guevara virou um ícone pop, Marx uma referência na academia e que Lula foi eleito presidente da República. Sem contar a (hoje) ampla difusão do marxismo e do anarquismo nas livrarias, a produção de filmes baseados em temática esquerdista (Os Sonhadores...) e por aí vai. Parece que, na louca intuição da nossa direita paranóica, existe um fundo de verdade: os esquerdistas dominam hoje a vida pública, ao ponto de ser feio e politicamente incorreto declarar-se de direita. É só reparar - quando se indaga, ninguém diz que é de direita. No pior dos casos, é um direitista enrustido (eu tenho um exemplo aqui bem perto! hehe). Parece que a direita foi achincalhada juntamente com seus valores - e eu estaria sendo irrealista se não dissesse que, no entanto, estes valores encontram ainda muita adesão entre as camadas baixas, principalmente. Achincalhada pela esquerda, que finalmente, depois de muito tempo escondida no movimento estudantil, gestando-se entre os hippongas universitários do marxismo-leninismo, entre uma baforada e outra de cannabis, agora põe sua cara a tapa no poder. E, claro, estaria sendo mais irrealista ainda se não dissesse que essa esquerda, agora no poder, faz um governo voltado para as elites (inclusive para si mesma, como nos tem provado os repetitivos escândalos) com "salpicadas" de populismo. E põe "salpicadas" nisso. Na ótica do burguês maré-braba, pode até parecer que, de fato, se trata de um governo de esquerda, pois nunca se viu tanto a atenção do Estado, e dos poderes do Estado, voltada para o povão, privilegiado com mil e um programas de assistência populis... digo, social (ou seria "miséria assistida"?).

Pois este contexto político é muito diferente do que tínhamos no século XIX. Lá atrás, ser de esquerda (anarquista, comunista ou social-democrata) dava cadeia, e provavelmente não era "bonito", nem para a burguesia nem para a classe média. Os padres, como tinham algum monópolio da educação, faziam questão de falar besteira sobre os comunistas e anarquistas, para que os jovens (e os fiéis) ficassem bem longe deles. Ao contrário, hoje soa até "humanista" você se declarar de esquerda. Quem é de direita é insensível. Ora, com uma inversão destas, acaba a necessidade de pensar. O pensamento é fruto da inquietude, dizia o filósofo. Para quem está gozando de certo privilégio, não precisa se incomodar. Talvez por isso a agitação da direita em certos países da Europa (Le Pen etc).

Parece que existe também uma certa tendência dos partidários da esquerda em fazer abstração da conjuntura. O pessoal fica tão entusiasmado com esse negócio de Revolução que acaba ficando otimista demais, como se a famigerada estivesse logo ali, ao nosso alcance. Mas, "tipo assim"... e a conjuntura? Como é que vai a "classe revolucionária"? Contrariando todas as expectativas. "Como é que tá essa força?". Força?? Que força? Nosso partido/grupo tem apenas 5 membros fixos. É assim que andamos. Talvez por isso eu ache Adorno tão interessante: seu ponto de partida, segundo ele mesmo, seria o momento em que a filosofia, "que outrora parecia superada, mantém-se viva porque o momento de sua realização foi perdido". A esquerda também sempre foi tarada pela prática, inegavelmente. O pensamento sempre lhe pareceu tarefa pouco-nobre, coisa de "pequeno-burguês". Certamente, mais nobre seria dedicar oito ou doze horas do seu dia, trancafiado num lugar quente e feio de doer, fabricando sapatos!! Depois de uma jornada dessas, do "trabalhador forte e fecundo" da Internacional só sobra o bestializado, franzino e infeliz trabalhador. "O trabalho forma" foi uma das maiores mentiras que a esquerda jamais acreditou. E, agora que a teoria caiu em descrédito, sobra o "oba-oba" do ativismo ou pragmatismo da revolução brecada.

Bom, eu desviei enormemente o assunto, mas isso tudo era para dissecar uma esquerda que há muito tempo desaprendeu a pensar. O assunto inicial era a criminalidade, mas, como não gosto de censurar, deixei a coisa ir. Um texto sobre criminalidade e violência vai sair ainda. Fiquem no aguardo. rs

2 comentários:

Mr. Durden Poulain disse...

Estou sem tempo para escrever algo aqui.. terrívelmente ocupado...

bom texto...

a revolução está longe... ainda mais pelo fato da esquerda ter se fetichizado, virado um semi-produto enlatado em camisas de che guevara... o tiro dos marxistas-leninistas também saiu pela culatra, dominar a universidade não os deu a revolução, apenas material quente para o academicismo renovar suas fontes... o mundo modifica-se... é o devir da produção teórica incessante, hiper-especializada...

os filósofos trataram de interpretar o mundo, agora devemos transformá-lo... é o que precisamos... mudanças... e provocadores de mudanças...

tudo anda... e a esquerda capengueia-se em torno de fórmulas mortas.

dentro do anarquismo ainda há gente ressuscitando coisas que o anarquismo já superou tanto a nível teórico e prático(escreverei isso adiante)... e que no momento histórico contemporâneo, de pós-pútridas-modernidades não são as idéias que o recolocarão com força no lócus do movimento social...

tudo vai andando...

andando...

e a esquerdalha oficial vai aí, como quem não quer nada, tropeça em sua própria contradição.

Mr. Durden Poulain disse...

ampla difusão do anarquismo? você bebeu?????