terça-feira, 21 de agosto de 2007

Bom, como não desejo me esquivar da discussão, e já não podendo ignorá-la (dada a sua proporção), venho a público no intento de dar minha contribuição à polêmica. Não conheço nenhum dos dois autores profundamente (muito menos o H. Bey, que até hoje estou devendo de ler), e o pouco que li do Bookchin (na sua discussão sobre municipalismo libertário) não me dá muita noção do mesmo. No entanto, considerando que a discussão já foi além dessa dualidade, creio ter que me declarar sobre alguns aspectos. O primeiro ponto que tenho a dizer é que, embora possa parecer o contrário, não tenho ojeriza à Bey e ao anarquismo ontológico: posso até me abrir francamente e dizer que toda minha opinião sobre isso é baseada em preconceitos... preconceitos, porém, que eu acho que têm a sua razão de ser, mas que não se justificam por isso. Pois até onde eu vasculhei - "passei os olhos" - os textos do Bey, ele é até muito interessante, na sua tentativa de redefinir a "revolução" à contrapelo da esquerda tradicional, masoquista ('marxoquista', diria o Fernando) e obreirista até os ossos. O que me afasta de uma abertura maior é justamente a leitura que eu vejo as pessoas fazerem do H. Bey - uma leitura descompromissada, "aventureira", modista. Pois a Baderna, no fundo, como subseção (ou seja lá o que for) da Ed. Conrad, é uma editora capitalista como qualquer outra, interessada em vender as suas mercadorias. E ela assim o faz, empacotando seus livros numa embalagem "subversiva", tudo voltado para um público de infanto-juvenis consumidores da revolução. Não acho que seja o caso de ninguém por aqui, pelo contrário, nem que seja o caso de boicotarmos a Baderna. O problema é não ter esse distanciamento crítico; ou pior, tomar as teorias do Bey e, sem mediação alguma, tentar aplicá-las diretamente na realidade como uma espécie de lazer de fim de semana. Com isso se condena algo que poderia ser uma proposta interessante (o terrorismo poético, as ZAT's, etc) a ser um fim em si mesmo, um mero momento de "descontração". Não que eu seja a favor do militantismo 'duro' e 'compromissado', pelo contrário: é a racionalidade capitalista de organização do trabalho - este algoz de todos nós - que insiste em separar o "sério" do "frívolo", o "laborar" do "brincar". Dito isto, desmanchado os preconceitos (também aqueles que se sustentam contra mim), devo passar adiante.

Na verdade, tenho que admitir que não li o debate todo - quando cheguei de viagem, ele já estava aí, e não tive a paciência de ler linha por linha. Me conformei com um "apanhado geral", e, claro, não sem algum pre-conceito do que cada um iria sustentar (por conhecer os debatedores, o que não passou pelo meu crivo eu complementei com a imaginação). Não tomem isso como ofensa ou reducionismo de vossas personalidades, e sim como auto-crítica, pois eu sei os preconceitos são na maioria dos casos insustentáveis. O último texto do Fernando, pelo menos, eu li de cabo à rabo, e com alguma atenção. São vários os aspectos que me chamaram a atenção, e que eu poderia tentar listá-los.

Comecemos pela velha polêmica, ao ponto que eu identifiquei como sendo a questão mudança individual X mudança coletiva.

[Nossa discussão parece passar por ai, em ambos os perigos, o perigo de ser tomado por uma avalanche externa, quer dizer, “o que importa mais são os meios de produção, é o compromisso social, é mudar a pobreza, é mudar a desigualdade entre os homens” e o outro lado, o perigo de “ficar preso em si mesmo, no seu próprio desejo, sua vontade pessoal, no próprio egoísmo e ser incapaz de perceber que está contemplando apenas a sua imagem no espelho”. É certamente fácil reconhecer quais lados podem representar cada parte do mito.]

Acho que esse questionamento já foi feito outra vez, mas gostaria de repetí-lo: seria possível separar ambos os lados (transformação coletiva - transformação individual)? Ou será que existe aí um processo "dialético" de bi-implicação, a transformação individual ensejando a transformação coletiva e vice-versa? Claro, existe a necessidade de converter a estrutura social para um outro "módulo" ou "plano", e por isso quero dizer fazer uma "revolução". Mas não seria também a forma do sujeito, a forma da subjetividade um componente dessa estrutura, ou dos fundamentos dessa estrutura? Quer dizer, à forma de organização social determinada, num plano histórico-cultural, não corresponderia uma subjetividade determinada, ou seja, uma espécie de "ethos" histórico-cultural? Pois a forma do sujeito burguês, ou a constituição capitalista do sujeito (não confundir com 'classe') pressupõe certos valores morais, hábitos, formas de pensar e agir no mundo etc. O sujeito burguês é aquele que funda sua mediação no mundo através da mercadoria, e ao mesmo tempo, através do Direito e do Estado, no que concerne à comunidade. À esse plano de práxis, corresponderia uma certa racionalidade específica (formalizante) etc etc. Isso não é determinismo: não ao ponto de se declarar que não há fuga disso. Na verdade, a necessidade é que haja uma ruptura desse esquema. A individualidade humana alcança expressão até quando reprimida e assujeitada. Mas enfim, essa é outra discussão... O que eu queria colocar é que, se partimos puramente do âmbito social e 'externo' - "o que importa é mudar a sociedade, de modo a erradicar a pobreza e abolir as classes" - não contemplamos a questão no seu todo, e ainda corremos o risco de descambar para uma politica do terror, massificadora e autoritária, stalinista mesmo, insensível ao extremo para com a individualidade. Como se as 'pequenas questões' do cotidiano não fizessem parte da tarefa revolucionária: o amor, as relações pessoais, o prazer e a dor, os sentimentos etc, e tudo que faz parte da individualidade. E aí - em última instância - entramos numa paranóia de acusar a todos de pequeno-burgueses por não quererem sacrificar o pouco que resta de suas vidas para o altar da "Revolução" (com R maiúsculo), como se a revolução fosse algo separado de nós.

No outro extremo, o da "transformação individual", também corre o risco de se fechar sobre si e de se conformar com a existência da ordem (ignorando a máxima de Bakunin, sobre a condição da liberdade individual_esta só se realiza quando contemplada pela liberdade coletiva, universal). Mas ambos os enfoques, quando tornados unilaterais, ignoram, talvez, o questionamento anterior: a forma da subjetividade (a forma de gerir o subjetivo e de se relacionar com o subjetivo) e a forma da sociedade (a estrutura da organização das relações sociais) existem como coisas separadas, distintas, ou formam uma estrutura só (já sem a ladainha da "infra-estrutura" e "super-estrutura")??

[O poder do sujeito é fundamental se queremos uma sociedade libertária, na medida em que apenas este poder pode se contrabalancear a influencia do meio externo, dessa forma não massificando a pessoa, não homogeneizando e assujeitando os cidadãos. É exatamente ai que está a necessidade da descentralização, da multiplicidade de modos de organização e de crenças que o federalismo deve promover. Essas experiências limites, como coloca Bookchin, tem como fundamento não apenas uma mudança no foco propagandístico do anarquismo, mas também é uma forma de libertação dos condicionamentos do sujeito, na medida em que estes não se desfazem por mera sugestão.]

Interpreto da seguinte forma: o "poder do sujeito" quer dizer que a sociedade deveria voltar-se ao sujeito enquanto elemento primordial, e nisso estou de acordo, inclusive com as várias possibilidades que permite um modo federalista de organização social. Também concordo sobre o potencial da autogestão: permitir não só uma modalidade diferente de propaganda ("pela ação"), mas sobretudo um exercício de des-condicionamento, de autonomia, um fazer-se livre por meio da auto-atividade. No entanto, creio que Bookchin coloca a coisa um pouco diferente: projeta tal intenção no municipalismo, na eleição de uma "chapa" que socialize progressivamente o poder público etc. E acho que isso não sai isento de alguma crítica, na medida em que a instância do poder municipal é também uma instância do "poder público", ou seja, um degrau a menos na estrutura do Estado, fundado justamente na separação público-privado, ou seja, na existência da comunidade como algo diferenciado da vida civil e na definição da área de influência dos respectivos poderes - o "privado" (empresas, capital etc) e o "público".

[Não podemos mais considerar o que não é racional, o que é da ordem do “religioso”, da ordem do “místico” ou mesmo da ordem do psicológico ou subjetivo como crendice sem importância, nem mesmo como epifenômeno do mundo externo.]

[Em qualquer local que procure a massificação de seus membros a irracionalidade deve ser abolida, massacrada, mascarada e com ela toda a experiência do desatino que deve ser cerceada e presa de alguma forma. Com ela devemos temer que se leve junto toda a religiosidade e espiritualidade sob o manto de ilusão, contra-natureza e pensamento anti-funcional.]

Bom, como se sabe eu não tenho uma opinião formada sobre isso. Tenho a impressão que a emergência de uma nova sociedade - com muitos "mundos" - traria consigo novas formas de espiritualidade, religiosidade, novos desejos e formas de expressá-los etc. É verdade que o capitalismo varreu toda espiritualidade para um âmbito abstrato precisamente por considerá-la anti-funcional. Disso decorreria, talvez, a transformação da religião em mera 'crença', carregando também - progressivamente - a queda do poder eclesiástico como um poder efetivo dentro da sociedade. Em outros modos de sociedade, a gente sabe que a religião não era uma ideologia, mas um modo concreto de organizar a vida social, que tinha a ver com toda a concepção de mundo (e do fazer) destas sociedades. Enfim... mas há outros questionamentos sobre o irracional e tudo, que, digamos, eu ainda "não cheguei lá", por ainda não ter adentrado direito esse estudo.

É mais ou menos por aí que andam os questionamentos, num "caminhar perguntando"... pois "a estrada", meus caros, "vai além do que se vê".

Um comentário:

JH disse...

é o seguinte...

o comentário é pra dizer que não é comentário...

é só pra dizer que já tô na área...

mas ainda não li o bastante pra descruzar os dedos... que estão coçando.

que polêmica! que polêmica!

arre! vixe!

deixo pra vocês...

mas na rebarba eu solto um chute de bico, pra onde virar o nariz...

mas deixa o texto aguerriano soar um pouco mais... preciso digerir este e os outros.

de início digo que não vou dizer nada de início.

apenas um olá pra meus chapas queridos... polemizadores dialogueiros.

data venia,

fecha a conta,

passa a régua.

ripa na chulipa e pimba na gorduchinha.

até breve.