É certo que muitas criticas a análise do mundo contemporâneo se caracterizam pela crítica ao modelo positivista que é utilizado em muitas destas análises, seja na história, sociologia, psicologia ou em teorias revolucionárias. Uma crítica justa, sem duvidas, já que o modelo positivista realmente cria uma série de complicações ao pensarmos em uma sociedade mais prazerosa, quer dizer, prazerosa para todos, ou para maioria, e não para uma minoria economicamente dominante. Não apenas, o modelo positivista de pensar afasta sujeito e objeto, reifica o outro em lugar de coisa e des-liga o ser humano de sua responsabilidade, permitindo atrocidades contra a natureza, que seria mera “res extensa”.
Por outro lado existem ideologias ou teorias que desejam substituir o positivismo e ainda assim não perdem velhos hábitos, como criarem determinismos lineares infantis e simplistas. Claro que esse não se pretende um texto longo, então nos exemplos reduziremos as já reduzidas explicações teóricas sobre o mundo, nesta perspectiva, como: “a economia determina as relações sociais”, “a genética determina o ser humano”, “as relações passadas na infância determinam a estrutura inflexível da pessoa adulta”, “tudo é livre, não existe nenhum determinante para o homem”. Ora, é certo que existem um grande número de fenômenos que flexionam o discurso, os hábitos e os pensamentos de um sujeito, no entanto, é importante lembrar que a vida é complexa, assim com as pessoas, e não podemos assassinar a singularidade de cada um com um modelo desses, isso só poderá trazer práticas estagnadas ou imobilizantes, na medida em que também a teoria é uma prática e modifica relações sociais e pessoais.
Quando criamos ou repetimos um modelo assim ficamos no Eco e, como a deusa grega que leva esse nome, apaixonada por seu amor impossível, Narciso, ficamos a repetir infinitamente o discurso do Outro, um absoluto. Levamos a própria desgraça de Narciso, refletido no espelho e falando consigo mesmo (tendo suas palavras repetidas por Eco), acreditando que este espelho é um outro, quando na verdade é si mesmo. Nossas limitações são também nossos pressupostos limitados. Se sairmos do espelho, seja este espelho a valoração do capitalismo como modelo único, seja a linearidade fatalista da história, poderemos ver o mundo que habitam gentes, cores diversas e possibilidades diversas de prazer, vida e luta, de transformação.
A Epistemologia tem muito a dizer aos movimentos sociais e mesmo a criação de novas teorias que não levem em conta mais a causalidade como forma unilateral de explicação. Devemos lembrar que a causalidade é também, assim como nossas teorias rígidas, uma fantasia com base arquetípica, alias, o que fica manifesto quando lembramos como a causalidade era justificada por Descartes. “A doutrina da imutabilidade de Deus é um dos dogmas dos cristãos: a Divindade é imutável; não devem existir contradições internas em Deus, nem novas idéias ou concepções. Essa é a base da idéia da causalidade!” (Franz citada por Mello). Isso da base a idéia de reversibilidade do universo utilizada por Isaac Newton, que como sabe-se, era alquimista. Na reversibilidade o tempo é reversível, dessa forma, se voltarmos no tempo a partir de um efeito, teremos sempre a mesma causa.
É preciso considerar uma nova epistemologia, e com isso nos remetemos ao deus Hermes. Hermes é um deus de comunicação, ligação, mas não a ligação horizontal de Eros, mas a ligação entre diferentes níveis, do mundo dos vivos ao Hades, do Hades ao Olimpo. A partir daí temos a hermenêutica, cuja etimologia deriva mesmo de Hermes, a ciência da interpretação é também uma ciência que procura ligar níveis diferentes de conhecimento, assim como o nível empírico com um nível não-substancialista, metafórico sem hierarquizar nenhum dos níveis como resposta última.
Não é necessário, portanto, nenhum abandono da observação material, isso seria péssimo para qualquer movimento contra-cultural ou revolucionário, já que este esqueceria que existe de fato uma demanda de uma população por moradias, terra, comida, diversão, transporte, etc. que não pode ser atendida pelo capitalismo. Contudo, sabemos que isso não basta para uma teoria contemporânea, nem para o homem contemporâneo, sob o risco de esvaziamento da crítica social, seria repetir a separação das esferas como sempre fez o capitalismo, desconectar o mundo, sujeito e objeto, produtor e produzido.
Repetir o modelo positivista é mesmo repetir o tempo do trabalho, que é essencialmente o tempo euclidiano, reversível e esquecer o antigo tempo mítico. O tempo mítico é o illo tempore (tempo da origem) onde se acredita repetir atos realizados por seus antepassados, sendo a origem do termo: “Tempo Mítico”, altcheringa, que significa “Tempo do Sonho”. Dessa forma os “antigos” povos reuniam o tempo linear com o tempo cíclico. Sobre essa reunião lembremos Fernandes citada por Mello:
O eterno, ou o atemporal, constitui uma outra forma mítica de se pensar o tempo... O tempo circular, mais do que a própria atemporalidade, funda a essência do sagrado, que se manifesta no paradoxo da vida ligada à morte. A imagem mítica não expressa apenas a imobilidade do eterno. ... A narrativa mítica resgata o mistério da re-inserção periódica do homem nas origens eternas, mas a partir de sua entrada no fluxo do vir a ser.
É importante que tenhamos em mente que o tempo cronológico, engolidor, num sucedâneo de espaços vazios, é o tempo ideal da produção, do controle. É esse tempo maluco do consumo, onde tudo tem que ser rápido, veloz, fast-food, fast-sex, transporte instantâneo, tudo para se produzir mais, se lucrar mais, dominar mais. Tudo tem que ser eficiente, o que não é deve ser considerado patológico, estamos aqui na ética instrumental, uma ética que cuida dos incapacitados de vivenciar esse tempo absoluto, que não liga para singularidades, e readaptá-los ao mundo do trabalho.
Nesse caminhos é essencial que retomemos o tempo do cuidado, da singularidade (aquele tempo dos amantes), do pescador com toda sua paciência, mas não esqueçamos, evidentemente, do tempo cronológico, pois ele também tem um Q de bom, na medida em que nos coloca em movimento. Claro, sem o lado do tempo funesto do trabalho, mecânico, pontual, assassino.
4 comentários:
Li, mas pouco entendi. Há uma mistura de muitas coisas e a mente tem que pensar muito em muitas coisas distintas, no fim penso que sou eu a lesada aqui... "Muita informação, para poucos neurônios!"
Beijos
Ah sim...Marina é o nome da minha tia, como o orkut está plugado nela aqui, automaticamente a mensagem aparece como dela, mas não é, é minha, Chaos Baby!
Exato... e só para jogar mais tempero nesse macarrão, enquanto essa busca totalizante de uma teoria única nas distintas áreas do conhecimento persistir será realmente difícil à ciência aceitar de bom grado a singularidade e a diferenças das demais áreas rizomáticas de seu conhecimento. Me parece que esse é o caso emblemático da física quântica, que desafia as leis da física newtoniana clássica e aponta outros paradigmas e segue modelos próprios de entendimento e de observação científica, excluindo a tal dicotomia sujeito x objeto a física quântica já centra-se na questão principal de que a natureza apenas responde perguntas feitas por nós mesmos, ou seja o sujeito influi no objeto observado.
Contudo, os cientistas contrariando essa especificidade do mundo das partículas, prosseguem em uma busca de uma "teoria geral" que supostamente reconciliaria a física quântica com a física clássica. Não que isto seja impossível de se alcançar como maneira de explicação do mundo, mas sem dúvida não é satisfatório e nos leva ao mesmo ponto da questão que você mesmo abordou sobre a insuficiência de modelos gerais.
Em relação ao tempo, esta noção euclidiana-newtoniana que ao que parece ainda não foi superada socialmente, estando submetidos ao ritmo da máquina, só nos resta perguntar aonde iremos realmente chegar...
Texto muito bom, mas tô sem inspiração pra comentar. Então vos deixo com um comentário sagaz.
"São os acontecimentos mais modernos da realidade histórica que acabam de ilustrar de modo muito exato o que Thomas Hobbes pensava que deveria ter sido a vida do homem antes que pudesse conhecer a civilização e o Estado: solitária, suja, desprovida de prazeres, embrutecida, sem importância"/
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