segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Um natal feliz e um feliz natal....

Um natal feliz para os despejados, para todos os assassinados pelo Estado nas favelas, para os estudantes e as universidades sucateadas, para os presos políticos(todo preso dentro do sistema capitalista é um preso político), um feliz natal para os que moram na rua e se alimentam das sobras do excesso capitalista, para as crianças pedintes nos sinais e semáforos das grandes urbes, para os índios expropriados pela Aracruz Celulose, pelos moradores atacados pela violência do Estado no canal do Anil, para os atendidos nos hospitais caindo aos pedaços, para as empregadas agredidas pelos moradores classe média-alta, para os trabalhadores escravos no Pará, para os carregadores de carvão no interior do país, enfim, um feliz natal. Natal feliz? É sério?

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Luta de Classes

Estou com preguiça de responder acadêmicamente-krisísticamente-frankfurtianamente o texto abaixo. Resolvi complementar imagéticamente a discussão(quando tiver faço minhas colocações adequadamente).

E a luta de classes? Existe ou não existe? De que forma? Século XXI não?


Metrô do rio de janeiro, 18h da tarde, quinta-feira.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Breve abordagem sobre o a questão do sujeito

"A humanidade teve de se submeter a terríveis provocações até que se formasse o o eu, o caráter idêntico, determinado e viril do homem, e toda infância ainda é de certa forma a repetição disso." (Max Horkheimer e Theodor Adorno, Dialética do Esclarecimento 1947)

Um aspecto que sempre foi caro ao escopo do socialismo tradicional é o da inevitável imanência da luta de classes e da suposta classe revolucionária. Basta evocarmos a leitura clássica: a classe trabalhadora é aprisionada externamente pelo capital, e ali permanece, alienada pela ideologia, até o momento em que, tomando consciência de sua opressão, se ergue e faz a revolução. Mas, tal como o trabalho não é capturado "de fora" pelo capital, mas é ele próprio um princípio imanente às relações sociais capitalistas, também a "classe trabalhadora" não pode ser encarada como uma classe realmente revolucionária. Não se trata somente de derrubar o mito marxista da predestinação, mas também de apontar aquilo que a esquerda sempre ignorou, a saber, que a emergência da modernidade (ou do capitalismo, se preferirem) traz em si a constituição de uma forma de subjetividade adequada às suas exigências. Essa problemática remete hoje principalmente ao grupo Krisis e à seus principais colaboradores (ou ex-colaboradores) - Robert Kurz, Norbert Trenkle, Roswitha Scholz. Muito antes, porém, este tipo de discussão já cabia nas bocas da Escola de Frankfurt e até do próprio Marx, se fizermos uma leitura seletiva. E pode-se dizer: a despeito de todo avanço na discussão teórica e na própria experiência, permanece ainda hoje na esquerda a crença incondicional na luta de classes. Esta encontra-se pra lá de arraigada, tanto nos partidos quanto nos sindicatos e demais grupos. Para esta fração, a classe trabalhadora possui uma predisposição quase-natural à Revolução (esta mesmo, com R maiúsculo). A única coisa que a impede de realizá-la é o fato de que sua ideologia é a ideologia da classe dominante. Os meios de comunicação de massa e de "formação" (escolas, universidades ou mesmo as igrejas) veiculam a ideologia burguesa sem cessar, de modo a domesticar os trabalhadores. A questão é que esse discurso não leva em conta a possibilidade (porque é de possibilidades que estamos tratando, e não de leituras absolutas) bem menos otimista da própria classe trabalhadora ser uma categoria imanente ao capitalismo, que tem suas necessidades e desejos "reais" produzidos pelo capital, e que por sua vez o reproduzem. Trata-se aqui da discussão sobre a forma-sujeito: à formação histórica do modo capitalista de produção corresponderia a formação histórica de uma subjetividade adequada e funcional, de uma individualidade massificada, carregada com dispositivos que garantem a reprodução das instituições burguesas. Não se trata de valores pensados. Como bem enuncia Jessé Souza em um dos seus textos, remetendo também a Bordieu, estes valores ou disposições fazem parte do âmbito pré-reflexivo. Estão internalizados ou "impressos" em nossos corpos desde a mais tenra infância - claro, levando em conta que o desenvolvimento da criança se dê no interior da sociabilidade moderna. Evidentemente, não existe nenhuma predisposição de ordem ontológica - ou "natureza humana", se preferirmos o jargão filosófico - que nos leve inevitavelmente às mazelas da concorrência generalizada, da acumulação, da guerra, do livre mercado, da troca, da propriedade privada etc. Não existe determinação genética, psicológica ou de qualquer outra ordem para o capitalismo. Isso nunca passou de ideologia rasteira, e convenhamos, não pode resistir minimamente a um estudo básico de história ou antropologia. A formação de um sujeito predisposto à concorrência e ao dispêndio de trabalho em abstrato é puramente histórica, socialmente estimulada produzida, e só foi possível depois de um longo processo de violência contra populações inteiras (Cf., por ex., o artigo do FernandoR. sobre trabalho e loucura neste blog).

Mas isso a esquerda não quer ver. Ela subestima o capitalismo ao classificá-lo como algo externo - a "propriedade privada dos meios de produção", a "burguesia"... -, enquanto o reproduz dentro de suas próprias organizações (os partidos, por exemplo, são regidos inteiramente por uma razão de cunho instrumental). Também por este meio, sua abordagem resvala sempre para um tom "esclarecido" - os ativistas e demais especialistas da revolução devem influir para conscientizar os trabalhadores. Isto porque ao identificar o capitalismo com um princípio externo - a propriedade privada -, e não como um "modus operandi" que rege o nosso dia-a-dia, ela tende mesmo a cair num tom esclarecido, levando ao pé da letra o papo de "crença nas instituições". E é isso o que acontece.

O problema da luta de classes, como o coloca algumas leituras pós-marxistas, é o de que a luta de classes constitui apenas um mecanismo regulador do sistema, um conflito de interesses imanente ao próprio capitalismo. Pois no fundo, "burgueses" e "proletários", empresários e vendedores da mercadoria força de trabalho, falam a mesma língua - a língua do dinheiro. A gramática, de ambos os lados, constitui um respaldo à formação social regida pela mercadoria. Como se vê, despindo-se daquela visão mistificadora, a contenda é muito mais por uma questão de mercado do que por uma suposta "vontade" de revolução de um lado e "vontade" consciente de opressão por outro. E deste ponto de vista, voltando novamente à discussão inicial, a história do movimento socialista mundial e das revoluções proletárias é a história do desenvolvimento descompassado do capitalismo nas diversas regiões do globo e da luta imanente por direitos e reconhecimento institucional dentro dos limites bem-comportados de Estado e mercado.

Sem querer abordar outros aspectos e problemáticos da luta de classes - pois isso daria provavelmente um livro -, seria preciso nos perguntar onde é que mora a esperança, a possibilidade de ruptura. A esperança, usando um pouco de Holloway aqui, mora no fato de que a constituição histórica do sujeito - como a constituição histórica da sociedade -, não está posta de uma vez por todas. Ela deve ser posta e re-posta a cada instante, pois a cada instante ela está sendo bombardeada por mil e uma falhas que persistem em seu tecido. As instituições são produzidas e reproduzidas na prática social, não subsistem por si mesmas. Com a crise objetiva dos fundamentos do capital, a auto-disciplina do homem ocidental vai perdendo cada vez mais o seu sentido. Os efeitos disso podem ser positivos como extremamente negativos. Somente um estudo mais aprofundado dos efeitos da implosão do trabalho pode avaliar verdadeiramente a situação de risco da humanidade... ou será do capital?

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O Resgate da Capacidade Política dos Cidadãos sob a luz do anarquismo

Este artigo é um pequeno esboço a ser complementado posteriormente.

Dentro das correntes do socialismo, o anarquismo destaca-se por não reduzir a idéia da igualdade aos fatores econômicos. O anarquismo entende como igualdade, muito mais do que a mera igualdade econômica, a igualdade dos cidadãos sob o anarquismo é a igualdade, econômica, política e social.

Se não há sentido para os anarquistas uma sociedade socialista com diferenças econômicas entre seus membros, se há diferenças de capacidade política entre seus cidadãos com alguns capazes de exercê-la e outros completamente privados desta, isto torna-se ainda mais absurdo. Dentro destes termos, a esfera do político, do econômico e do social estão completamente interlaçados, segundo o anarquismo, um mudança em uma das esferas somente não seria possível, pelo fato destas serem inevitávelmente indissociáveis como seria inóqua. Não há socialismo para os anarquistas sem o retorno pleno, da capacidade política, econômica e social. O primeiro a utilizar este termo dentro do anarquismo, foi o francês Pierre-Joseph Proudhon que inclusive lançou uma obra com este título: “A capacidade política da classe operária”. Proudhon como veremos adiante, tece considerações muito interessantes acerca deste conceito.


A capacidade política e econômica são indissociáveis, isto por que é possível existir uma sociedade com plena igualdade econômica mas com desigualdades brutais no modo de decisão e vice-versa, como é o caso da antiga sociedades grega, específicamente no caso da pólis Ateniense, onde as decisões políticas eram tomadas coletivamente, mas existiam desigualdades materiais, que se não são tão semelhantes históricamente às desigualdades econômicas oriundas do sistema capitalista, existiam em maior ou menor grau.

Em caráter mais amplo, o anarquismo e os anarquistas nunca objetivaram tomar o poder político em forma de instituições por que acreditam que a tomada do poder em termos de Estado não produz o efeito desejado desse resgate pleno desta capacidade, mas provocam exatamente, pelo menos a nível político o efeito contrário. Os anarquistas sempre se preocuparam em criar estruturas ou fomentar as já existentes para diluir, distribuir o poder entre a classe trabalhadora. O poder que faz sentido aos anarquistas, é o poder da coletividade, distribuído horizontalmente e igualmente entre instâncias populares, federações, comunas, sindicatos e confederações.

Dentro deste espectro, uma das maiores preocupações dos anarquistas foi sempre em permitir que numa futura sociedade socialista e libertária, deveríamos criar e reforçar mecanismos estruturais para o retorno pleno desta capacidade. Isto necessáriamente passa pela discussão do papel do Estado nesta limitação ou anulação da capacidade política individual e coletiva. Dentro deste escopo, não há sentido aos anarquistas falar de capacidade política, quando se há um poder concentrado em mãos de uma minoria detentora dos meios de produção e das decisões políticas (Estado Burguês ou Estado Operário).

O anti-estatismo dos anarquistas não significa como alguns pensam uma recusa à política. O que os anarquistas rejeitam e recusam é o tipo de política que se baseia e se sustenta no grau de passividade, de conformismo ou de alienação ou limitação da capacidade política dos cidadãos e este tipo de política baseado na passividade das massas está essencialmente conectado em termos temporais modernos com a formação histórica do Estado como conhecemos.

Para o anarquismo, o Estado é a obra da própria sociedade que se aliena. Sua insistência é na devolução, à sociedade, do poder que esta atribuiu ao Estado. Tratar-se-ia, portanto, de uma desalienação da sociedade, de uma reapropriação de seu poder alienado.” [1]

Os anarquistas almejam a ampliação da política em TODAS as esferas que não as do Estado, a tal comentada desalienação da capacidade política da sociedade, já que todos os Estados da forma com que o conhecemos em seu modelo moderno, ou seja, o Estado Burguês Nacional baseiam-se na passividade política dos cidadãos e na delegação permanente da decisão política às mãos de especialistas.

Essa política feita dentro dos limites do estado, é para Proudhon uma alienação da força coletiva: “O político é, em relação ao social, o que o capital é em relação ao trabalho, ou seja, uma alienação da força coletiva.” [2]

Ao conceder a primazia política ao Estado a sociedade aliena-se de sua plena capacidade de decisão política. Elimina-se a autogestão político em detrimento da heterogestão ou da alienação da gestão do espaço público por uma minoria. Estado e capacidade política são antagônicos pois o primeiro está fundamentado sob a diminuição, ou eliminação total da segunda (no caso do Estado Absolutista por exemplo).

A maior crítica que se concebe normalmente aos anarquistas é a de que estes ao rejeitarem o Estado e sua política legitimam o poder dos partidos burgueses que a partir disto consolidam suas propostas com a negação política dos anarquistas; os anarquistas agiriam supostamente e segundo alguns críticos de esquerda como fomentadores de um niilismo apolítico. A proposta dos anarquistas é exatamente o contrário da passividade que os acusam.

Primeiro, deve se ter em mente que Estado e política são em suma coisas distintas. Como diria o pensador Murray Bookchin "A política não é a arte de gerir o Estado e os cidadãos não são eleitores ou contribuintes. A arte de gerir o Estado consiste em operações que engajam o Estado: o exercício de seu monopólio de violência, o controle dos aparelhos de regulação da sociedade por meio da fabricação de leis e regras, a governança da sociedade por intermédio de magistrados profissionais, do exército, das forças de polícia e da burocracia”. [3]

O contrário também é verdadeiro, a arte de gerir o estado não é a política! A política vai muito além desta relação. A política está presente nas decisões comunais, nas decisões de bairro, nas relações de produção, nos locais de trabalho, de estudo, etc. O Estado, como bem dito anteriormente, é um produto da alienação política coletiva, nasce sob este aspecto, sob esta condição como vemos em sua origem, O Estado Nacional Moderno.

Tomando este raciocínio como guia, ao tomar o poder do Estado não modificamos, nem devolvemos a capacidade política de seus cidadãos, apenas legitimamos esta forma de alienação política coletiva, mesmo que se efetuem mudanças econômicas.

O Estado não é apenas um mero instrumento da classe dominante, ou seja, da Burguesia, a estrutura do Estado trabalha justamente sob a lógica da despolitização em massa como pré-requisito para seu bom funcionamento. Muito mais do que isto, o Estado é como observado no pensamento de Proudhon “obra da sociedade que se aliena”. [4]

No chamado Estado operário, ou seja, o Estado da "ditadura do proletariado" de Marx, mantém-se esta alienação política coletiva, pois esta é uma condição básica para quaisquer Estados existirem, a ideologia marxista amolda-se nítidamente a esta alienação política por meio da teoria da vanguarda(corpo de especialistas ou os chamados revolucionários profissionais mais preparados para guiarem a revolução). A vanguarda nada mais é, do que um grupo de profissionais da política preparados não para gerir a sociedade, mas gerir sim ao Estado, representam na verdade a continuação da tecnificação da política, da política não como exercício, mas como uma técnica reduzida à um pequeno grupo de especialistas.

Os anarquistas entendem a política, como uma doxa, ou seja do grego, opinião, algo não restrito a um mero grupo ou minoria, mas algo que faça parte do cotidiano de todas as pessoas. O ser humano é essencialmente um ser político. Gerir a política é cultivar a doxa grega, um exercício contínuo e cotidiano que deve envolver todos os membros da comunidade.

O projeto marxista de ampliação da capacidade política é o de fermentação à tomada do poder estatal, nada mais do que isto; o envolvimento político que o marxismo concebe é o envolvimento político das bases submetidas às lideranças, um corpo de “especialistas”.

Guiados pela visão de tomada de poder pelo centro, o marxismo depende deste poder mobilizatório e envolvimento político para tomar o Estado e as instituições que serão à base da futura sociedade “socialista”.

Utilizando o exemplo da revolução russa, vemos que neste processo revolucionário houve a princípio, uma dinâmica de auto-organização popular(os sovietes) que fugiu totalmente do controle das estruturas precognizadas teóricamente pelos bolcheviques. Esta dinâmica, encontrada em outros exemplos históricos e processos revolucionários, que se não aparentemente tão eficiente quanto parece em tomar decisões consegue efetivamente fazer renascer esta capacidade política coletiva aprisionada históricamente pelo Estado, que emerge nesse processo de desalienação coletiva como um verdadeiro tsunami que varre a velha sociedade; mas tão logo este poder de desalienação torna-se vigoroso a ponto de estruturar novas formas de organização que soterrem de vez as estruturas políticas e históricas que submeteram sua capacidade política à uma redução total, reagem os micro-estados dentro do movimento revolucionário, a vanguarda da contra-revolução e da reação, as estruturas do velho mundo: os revolucionários profissionais. No caso da Revolução Russa, estão encarnados pelos bolcheviques, que com sua organização política em partidos, ou seja reproduções fiéis da mesma estrutura do Estado(já que terão de ocupá-lo, tem de se organizar como o mesmo se organiza), atuam sob a mesma lógica, entendem que há de se ter governantes e governados, líderes e liderados e canalizam o Tsunami da revolta popular e a autonomia das massas em “barragens” organizacionais verticalizadas: ressuscitam o que já deveria estar morto: o Estado, que assume conforme conhecemos pelos relatos históricos sobre o Estado Bolchevique [5], formas mais antropofágicas e brutais de opressão.

Há uma outra confusão que costuma tomar como iguais Estado e Sociedade. Tal assertiva ignora os processos históricos, a Sociedade é algo que sem dúvidas antecede o Estado, já que este na forma como conhecemos é relativamente novo, falando em termos históricos. Estado e Sociedade são coisas completamente distintas. O Estado é um grupo de profissionais, dirigentes, mandatários, eleitos (de diferentes formas) para tomar decisões no lugar de outréns, a sociedade é a reunião de indivíduos organizados de uma determinada maneira.

Fundamentado sobre a alienação da capacidade política de milhares de cidadãos em troca de um suposto reconhecimento de que os burocratas ou os “revolucionários” profissionais são mais capazes do que outros milhões de trabalhadores para gerir a res publica (república), ou seja, a coisa pública e servirão aos desígnios políticos dos que tiveram seus direitos políticos limitados, o Estado para existir, torna necessário que uma grande maioria tenha seus direitos políticos privados.

Como bem indica Mikhail Bakunin: “Entre a ditadura revolucionária e a centralização estatista, toda a diferença está nas aparências. No fundo, ambas são apenas uma única e mesma forma de governo da maioria pela minoria, em nome da suposta estupidez da primeira e da pretensa inteligência da segunda”. [6]

E vai além: “Assim, nenhum Estado, por mais democráticas que sejam as suas formas, mesmo a república política mais vermelha, popular apenas no sentido desta mentira conhecida sob o nome de representação do povo, está em condições de dar a este o que ele precisa, isto é, a livre organização de seus próprios interesses, de baixo para cima, sem nenhuma ingerência, tutela ou coerção de cima, porque todo Estado, mesmo o mais republicano e mais democrático, mesmo pseudopopular como o Estado imaginado pelo Sr. Marx, não é outra coisa, em sua essência, senão o governo das massas de cima para baixo, com uma minoria intelectual, e por isto mesmo privilegiada, dizendo compreender melhor os verdadeiros interesses do povo, mais do que o próprio povo. [...]”. [7]

Após a tomada do poder do Estado, há uma luta inerente ao projeto marxista(ou qualquer grupo que assuma o Estado) em perpetuar este poder e nisto subentende-se que é necessário reduzir ainda mais a capacidade política dos governados e instituir estruturas e modelos que consigam viabilizar a manutenção da vanguarda operária no poder e o expurgo dos disensos e dos descontentes. Se na sociedade burguesa existem diferenças de classes representadas pela subtração dos meios de produção ao proletariado, na sociedade comunista que desejam os marxistas há a subtração da capacidade política do operário:

Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana. [...]”. (Mikhail Bakunin) [8]

Marx, comenta esta citação de Bakunin com uma profunda fé na hierarquia política como um mecanismo que seria essencialmente neutro, dependendo assim o Estado Burguês, de uma apropriação da classe operária que daria a este uma gestão essencialmente revolucionária.

São de Marx as seguintes palavras: “Se o senhor Bakunin conhecesse, ao menos, a posição que ocupa o gerente de uma cooperativa operária, todas as suas fantasias sobre a dominação iriam ao diabo. Ele deveria se perguntar: quais as formas que podem adotar as funções administrativas, na base de um Estado Operário? (se ele quer denominá-lo assim)” [9]

O Estado para Marx e os marxistas seria um objeto neutro; cuja função dependeria de seu uso, um “bom” uso do Estado levaria-o a ser potencialmente revolucionário, um “mau” uso seria a utilização deste pela burguesia. Tal análise não leva em conta e muito menos tece críticas a função histórica do Estado que em sua própria gênese, alinhou-se com projetos de dominação de classes dominantes em ascensão.

O Estado não é neutro, mas ainda é uma vaca sagrada da esquerda, uma vaca sagrada que se consolida a partir da alienação política de seus cidadãos.

Todo Estado para manter-se no poder necessita ampliar esta alienação política para seu perfeito funcionamento, como bem explicita o velho Proudhon “não é por seus governantes que os povos se salvam, mas que se perdem”. [10]

A velha autofagia dos Estados Marxistas é apenas a consequência desta ampliação da alienação da capacidade política individual e coletiva de seus cidadãos por meios mais coercitivos, é também, o controle total do estado sob o cidadão por meio da violência institucionalizada ou pelo que chamamos de terrorismo de estado em sua forma de dominio mais avançada e totalitária, aplicação potencialmente mais ríspida das desigualdades políticas e das teorias elitistas contidas implícitamente em suas idéias. No caso da extrema-direita, a coerência é que se o fazem, fazem de maneira explícita e conscienciosa.

O exemplo ateniense como apontamento ao retorno da capacidade política dos cidadãos

Antes de tecer apontamentos, é necessários explicar que não se pretende descrever a sociedade grega como um exemplo de “sociedade libertária” ou muito menos camuflar o fato desta conter contradições que aos olhos de nossa herança humanista, as tornam um próprio paradigma histórico: existência de escravos, política externa imperialista, etc.

Contudo, o que se pretende a partir de suas especificidades de organização política é apontar alguns paralelos interessasntes, que não tem a mínima pretensão de tornar-se-ão similitudes integrais com o que desejam os anarquistas, mas sim rever algumas experiências de democracia direta históricamente viáveis. Além disto, a pólis grega já foi objeto de estudo de no mínimo dois conhecidos pensadores libertários: Murray Bookchin e Cornelius Castoriadis e isto já seria o suficiente para apontarmos algumas questões.

A partir destes esclarecimentos, podemos críticamente desenvolver o argumento anterior, tecendo considerações mais claras a respeito da arte da política, que jamais pode ser entendida como um processo restrito a uma minoria profissionalizada ou hiper-especializada. Como bem indica o pensador grego Cornelius Castoriadis:

"Há aquela frase maravilhosa de Aristóteles:” Quem é o cidadão? Cidadão é aquele que é capaz de governar e de ser governado.”Há milhões de cidadãos na França. Por que não seriam eles capazes de governar? Porque toda a vida política tem justamente como objetivo desensiná-los, convencê-los que existem peritos a quem se deve confiar o governo. Existe, portanto, uma contra-educação política. Ao invés das pessoas se habituarem a exercer todo tipo de responsabilidade e a tomar iniciativas, habituam-se a seguir cegamente ou a votar nas opções que lhes são apresentadas.” [11]

Assim como concordamos com Castoriadis, quando ele diz que "A política não é para ser feita por especialistas concordamos que não existe ciência da política". Parafraseando-o, afirmamos que não existe ciência da revolução (ou socialismo científico). A revolução não precisa de "especialistas" que se preparam mais do que a maioria para guiarem as massas ao caminho socialismo. A política como doxa é um processo coletivo e individual contínuo, onde a auto-formação de tod@s é fundamental para seu sucesso. A plena capacidade política individual e coletiva estão estritamente ligadas.

Para o pensador Murray Bookchin, o processo de alienação política coletiva, está intrísecamente ligado a perda de relações comunais, comunitárias que se estabelecem nas esferas municipalistas, levando justamente à ruptura neste processo de auto-formação, segundo Bookchin...o indivíduo autônomo, privado de todo contexto comunitário, de relações de solidariedade e de relações orgânicas, encontra-se desengajado do processo de formação de si – paideia – que os atenienses da antiguidade atribuíam à política como uma de suas mais importantes funções pedagógicas.” [12]

A paideia grega da qual Bookchin refere-se com todos seus limites e especificidades próprios da democracia ateniense, envolvia justamente esta recusa da política como “...um sistema de relações de poder gerido de modo mais ou menos profissional por pessoas que se especializaram nisso...”. [13]

O sistema da pólis ateniense grega jamais funcionaria baseado na alienação coletiva, o cidadão grego participava ativamente das decisões políticas(era comum assembléias que reuniám milhares de cidadãos), além disto mantinha uma ligação que se não podemos chamar de comunal no sentido revolucionário e moderno do termo, estava estritamente ligada ao local onde o grego vivia a maior parte de sua vida; é claro, que os locais de trabalho e de moradia para o cidadão ateniense ainda não estavam afetados pela dinâmica de segregação sócio-espacial que o capitalismo ensejou nas grandes urbes, mas ainda assim o processo de democracia ateniense é muito rico em suas especificidades políticas: “A assembléia, que detinha a palavra final na guerra e na paz, nos tratados, nas finanças, na legislação, nas obras públicas, em suma, na totalidade das atividades governamentais, era um comício ao ar livre, com tantos milhares de cidadãos com idade superior a 18 anos quantos quisessem comparecer naquele determinado dia. Ela se reunia frequentemente durante o ano todo, no mínimo quarenta vezes, e normalmente chegava a uma decisão sobre o assunto a discutir em um único dia de debate, em que, em princípio, todos os presentes tinham o direito de participar, tomando a palavra.” [14]

Os gregos tinham um nome para esse direito de participação, se chamava Isegoria, ou seja, o direito universal de falar na Assembléia.

Atrevo-me a uma anacronismo para abertamente contestar o fato das democracias contemporâneas tentarem resgatar sua herança na particular democracia ateniense, é pouco provável que um cidadão livre grego se identificasse com a democracia representativa das quais estamos acostumados a conviver. A democracia grega era uma democracia direta, não-representativa, nada tinha haver com a turba de políticos profissionais que os sistemas eleitorais estão acostumados a eleger. Ainda por que, o sistema de democracia ateniense, não sobreviveria com a alienação coletiva que o Estado e o sistema democrático de hoje necessitam para sobreviver.

Há uma tentativa em conectar as origens da democracia representativa atual com a democracia ateniense, mas podemos ver claramente, que no que concerne à base do sistema de democracia ateniense(ampla participação coletiva) o atual sistema político está baseado totalmente no oposto(passividade coletiva e um grupo de profissionais especializados em política); a democracia representativa como conhecemos está totalmente alijado do conceito grego de participação política do cidadão. Afinal não há como buscarmos uma raiz em comum entre a democracia ateniense e a democracia atual, se não formas distintas de sustentação de regimes políticos completamente distintos com desenvolvimentos históricos ligados a processos diferentes, sendo o último sustentado históricamente por um discurso de apropriação política do passado.

A Isegoria Grega não é admitida no sistema político atual, ao menos que você consiga se eleger, ou seja, tornar-se um especialista da política, não poderá participar das decisões dos grupos particulares, que envolvem toda a maioria. Isto seria justificável segundo alguns por básicamente dois argumentos principais:

  • A atual complexidade da vida moderna contemporânea, não conseguiria ser organizada por modelos de democracia direta algo que seria típicamente de uma sociedade “rudimentar”, da qual a democracia representativa seria uma evolução “consequente” e “natural”.

  • Outro argumento é a atual configuração urbana das cidades e o número de cidadãos envolvidos em tal processo, que não possibilitaria a organização por assembléias por só funcionar em contextos muito específicos.

Para responder básicamente à estes dois argumentos, os anarquistas prontamente dão sua sugestão! Federalismo! O de Proudhon! Mas vamos examiná-los em separado antes de maiores considerações.

As especificidades da democracia representativa se dariam apenas pelas necessidades do avanço tecnológico que não suportaria uma outra forma de exercício político distinto da que conhecemos, segundo este discurso ideologizante, a democracia representativa seria uma complexificação “natural” da democracia ateniense, mediante necessidades da sociedade moderna. Isto já é em princípio muito questionável, como dito anteriormente faz parte de um discurso que deseja fundar as raízes das democracias contemporâneas sob a democracia grega, mas é muito mais questionável quando observamos a questão da complexidade da sociedade moderna.

O primeiro ponto a observarmos, é que a complexidade da sociedade moderna foi em grande medida criada pelo próprio sistema de mercado. Muito desta complexidade é puramente desnecessária. Como bem afirmou Sam Dolgoff: “(...) existem pelo menos 30 tipos diferentes de veículos utilitários esporte, a maioria deles com centenas de componentes que são característicos de cada um, feitos por diferentes fábricas, cada um tendo a necessidade de sua própria e hábil produção e reparo. Isso adiciona bastante à complexidade da vida. Os Benefícios deste tipo de “complexidade” têm mais importância do que os danos que ele causa?”. [15]

Além disto não podemos enxergar a complexidade de uma sociedade como algo “natural”. Não existe algo natural em história, existe sim a atuação de agentes históricos sobre a realidade, que a modificam por meio das diferentes correlações de forças e de domínio(no caso dos que detém os meios de opressão existentes). Esta complexidade não surgiu espontâneamente, mas sim foi criada. O que nos intriga, na atual sociedade capitalista é como tal complexidade é falha em determinados aspectos, como bem exemplifica Dolgoff:

Em comparação, as complexidades das necessidades humanas – serviço de saúde, habitação, comida, educação, etc. - não são adequadamente tratadas por um sistema de mercado. Nesse sentido, o sistema de mercado de nossa época, subsidiado pelo Estado, é extremamente mal apropriado para a complexidade, não só da sociedade moderna, mas também dos seres humanos.” [16]

Em relação a configuração urbana das grandes cidades na forma com que a conhecemos, ou seja, pós Primeira Revolução Industrial, esta básicamente se deu por mecanismos próprios ao sistema capitalista, obedeceu regras inerentes a este sistema, moveu pessoas e populações inteiras às cidades grandes ou megalópoles por questões econômicas, desejos(ou oportunidades) retroalimentados por este sistema, e conduziu a segregação sócio-espacial pelas dinâmicas históricas particulares de seu desenvolvimento.

Em relação a influência destes fatores sócio-espaciais, não negamos que diante desta realidade, seja uma tarefa muito fácil auto-instituir formas de decisões coletivas sem ter de necessáriamente alterar de certa maneira estes espaços físicos. O ambiente geográfico conscientemente organizado ou não, influe nas emoções e maneiras, comportamentos e modos de ação, procedimentos e condutas, dos indivíduos. [17]

Estes espaços óbviamente diante de um evento revolucionário deverão ser reoordenados(e é nítido nos exemplos históricos que estes o são), o que provocará uma mudança substancial no espaço físico que conhecemos como cidade provávelmente isto não será uma tarefa demasiada fácil(na verdade será uma tarefa das mais colossais!), acreditamos no entanto, que o ser humano é suficientemente capaz e criativo de alterar tais adversidades e com o tempo, muito da configuração típica das cidades capitalistas poderá quem sabe ser modificada a ponto de conceber estruturas mais adequadas não só ao sistema federalista(que falaremos mais específicamente adiante), mas ao convívio pleno e humano de uma sociedade integrada à sistemas ecológicamente viáveis e que dê satisfatóriamente à coletividade o pleno anseio de seus desejos políticos.

Há habitualmente os que acreditam que tal trabalho é algo irrealizável, são estes os mesmos que precisam de uma imensa soma de “dados técnicos” para que mostremos que tal trabalho é puramente viável de ser realizado; eu perderia mais algumas páginas os convecendo e inevitávelmente afastaria uma grande parcela sob este discurso tecnificado que nada mais faz a não ser criar uma linguagem inteligível perdida entre meandros retóricos disfarçados por números.

No caso das modificações das urbes vemos que a principal limitação para as modificações não são de caráter técnico, mas sim político. Há suficiente conhecimento e aparato técnico para mover tais modificações, estas não ocorrem, não por falta deste, mas sim por inércia ou por motivos diametralmente opostos ao que deseja a coletividade.

Isto é claro não significa que históricamente uma grande metrópole urbana inviabilize o sistema federalista anarquista, isto é fácilmente contra-argumentável no que diz respeito à uma experiência histórica muito relevante ao anarquismo no mundo moderno: a Revolução Espanhola. Não desejando me alongar sobre o tema(que já é objeto de estudo suficientemente amplo neste sentido para escrever um livro ou um volume destes), é fortuito no entanto informar, que sob uma população de 24 milhões de habitantes à época da revolução Espanhola, a principal central sindical da época, a CNT(Confederação Nacional do Trabalho), imbuída do horizonte anarquista e que contava com 1,5 milhão de aderentes, promoveu a coletivização geral dos meios de produção. As ferrovias, os transportes urbanos, bondes, ônibus, a eletricidade, as agências marítimas, a indústria metalúrgica foram coletivizadas, antes mesmo do apelo oficial da CNT à greve geral de 18 de julho de 1936(os trabalhadores já autogestionavam e coletivizavam os serviços públicos desde 21 de julho). O movimento das coletivizações que também atingiram enormemente o campo, teria envolvido entre um milhão e meio e dois milhões de trabalhadores. [18]

Com todas as características que segundo os ideoólogos da democracia representativa inviabilizariam a organização de uma grande cidade(na verdade diversas grandes cidades), os trabalhadores na espanha, conseguiram realizar uma coordenação magistral de autogestão política e social segundo bandeiras muito claras ao anarquismo durante no mínimo 30 ou 40 anos anteriores de militância libertária e que já tinham sido explicitadas por Mikhail Bakunin na I Internacional. A derrota dos trabalhadores espanhóis, não se deu por motivos técnicos, mas sim de correlações de força. Afinal a coalizão golpista do General Franco, estava nada mais nada menos, abastecida e financiada pelo governo alemão de Adolf Hitler e do italiano de Benito Mussolini, que utilizaram o conflito na espanha em 1936 como “ensaio geral” da segunda guerra mundial, testando seus avanços tecnológicos belicistas contra a população espanhola, como bem prova o quadro Guernica de Pablo Picasso. Golpeada pelos fascistas de direita(franquistas) e os de esquerda(stalinistas), a anarquia(ausência de poder) na Espanha durou tempo o suficiente para demonstrar toda a viabilidade da proposta anarquista: que é possível viver sem Estado e com a auto-organização política, social e econômica dos trabalhadores.

[1] MOTTA, Fernando C. Prestes: Burocracia e Autogestão, op. Cit., p 113

[2] MOTTA, Fernando C. Prestes: Burocracia e Autogestão, op. Cit., p 100)

[3] BOOKCHIN, Murray: Municipalismo Libertário, op. Cit, p 000

[4] MOTTA, Fernando C. Prestes: Burocracia e Autogestão, op. Cit., p 113

[5] Texto do João(Kato Nigra) Sobre a Revolução Russa(http://katonigra.blogspot.com)

[6] BAKUNIN, Mikhail: Estatismo e Anarquia, op. Cit., p 000

[7] BAKUNIN, Mikhail: Estatismo e Anarquia, op. Cit., p 000

[8] BAKUNIN, Mikhail: Estatismo e Anarquia, op. Cit., p 000

[9] MARX, Karl: Notes sur le livre de Balounine Étatisme et Anarchie, en Acerca del anarcosindicalismo y el anarquismo, Moscou, s.d., 1973

[10] PROUDHON, Pierre-Joseph: Les Confessions d'un Révolutionnaire, op. Cit., p. 86

[11] CASTORIADIS, Cornelius: http://www.cfh.ufsc.br/~aped/basta_de_mediocridade.htm

[12] BOOKCHIN, Murray: Municipalismo Libertário, op. Cit, p 000

[13] BOOKCHIN, Murray: Municipalismo Libertário, op. Cit, p 000

[14] FINLEY, M. I: Democracia Antiga e Moderna, op. Cit., p. 31

[15] DOLGOFF, Sam: A Relevância do Anarquismo para a Sociedade Moderna, op. Cit., p 10

[16] DOLGOFF, Sam: A Relevância do Anarquismo para a Sociedade Moderna, op. Cit., p 11

[17] DEBORD, Guy: 'Introduction à une critique de la géographie urbaine', Les Lèvres Nues, 6 (September 1955) trans. in Situationist International Anthology, ed. Ken Knabb (Berkley, 1981), pp. 5-8.

[18] MINTZ, Frank e GOLDBRONN, Frédéric: Quando a Espanha Revolucionária Vivia Em Anarquia, REVISTA LIBERTÁRIOS, pp15.


(Continuaremos ampliando o artigo com a capacidade política do indíviduo dentro de uma estrutura federativa e comunista libertária)

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Epistemologia, Poder e Paranóia



O titulo pode assustar, especialmente porque os temas pareçam ter uma relação quase nula, no entanto, com um leve esforço podemos ver que essa ligação não é tão pequena assim. A epistemologia[1] é, numa explicação primária, a teoria do conhecimento, o estudo das bases desse conhecimento, ou ainda, a teoria que “responde” a pergunta: “Como é possível conhecer?”. Numa observação superficial, poder-se-ia supor que se trata de um estudo objetivo, de algo que fala de uma neutralidade, pois nossa sensibilidade já foi “adestrada” ou adestrou-se, por necessidades várias, a pensar a forma científica, e também o capitalismo, como naturais.

Um pequeno estudo histórico nos mostra que as coisas não são bem assim, nem é interessante que as vejamos dessa forma. A epistemologia precisa, primeiramente, analisar-se a si mesma: quais são as perguntas, ou as imagens, que permitem a formulação de um saber? Uma pergunta vital é: “Quais as intenções de determinadas formulações filosóficas que permitem a construção de uma ciência?”. Apenas uma inicial leitura histórica nos mostra que diferentes épocas inventaram diferentes paradigmas[2] ou Cosmovisões (Weltanschauunge), dentre essas é significativo apontar a diferença radical entre as posturas da Idade Média, do Renascentismo, do Modernismo e ainda da Contemporaneidade, embora dentro dessas épocas tenha havido diversas oposições, sínteses, continuidades e rupturas.

A maior parte do tempo as construções epistemológicas tem se baseado em padrões rígidos de Verdade, seja o Realismo, que pressupõe a possibilidade de alcançar o Real (ex: a visão platônica e o realismo científico) ou mesmo o Idealismo. A visão da Razão (Ratio) como argumento inviolável, que ainda hoje escutamos da boca de “cientistas”, seja nas ciências médicas ou psicológicas, foi elaborada com o intuito de criar uma instrumentalidade que desse conta da demanda capitalista, isto é, associou-se numa ligação perfeita com o modelo industrial. A conjunção Descartes, com sua lógica matemática, e o naturalismo de Francis Bacon permitiu essa construção até chegarmos a uma maneira de pensar totalmente materialista, dessa forma acreditando banir toda “fantasia” do mundo medieval e “Iluminando” o mundo das heresias religiosas, indo além, um dos pilares dessa Weltanschauung é a busca de controle do mundo natural, sensível (perceptível), digamos assim, um projeto Gengskaniano de dominação.

Conquanto o Iluminismo possa ter trago “ganhos” observáveis em vários campos tecnológicos, dificilmente podemos falar que ele trouxe as pessoas uma vida mais prazerosa. A informação positivista é unilateral, pretendeu-se verdadeira mesmo depois de suas certezas terem sido abaladas: ela apoiou-se de maneira nítida no Poder instituído defendendo durante muito tempo os bastões da sociedade capitalista: o trabalho, a família, a adaptação do sujeito aos padrões esperados. Para isso contou com uma intelectualidade proposta a apagar as diferenças: psicologia, serviço social, pedagogia, etc. Vimos ao longo do tempo, p. ex., os tratamentos agressivos e o cerceamento que foram feitos com os ditos loucos ou a-sociais, vimos ainda recentemente assistentes sociais agindo contra a vontade de seus clientes sob o manto da objetividade e do bem-estar do próprio “cliente”. Como se pretenderia ajudar um morador de rua que desejasse de fato morar na rua? Na Suíça, na década de 70, uma mulher foi obrigada por assistentes sociais a sair de casa, pois segundo conta-se, sua mãe a estaria “mimando” e, logo, ela não teria independência para trabalhar, se casar, enfim, fazer os afazeres ditos saudáveis. Foi para um outro lar, o que não surtiu efeito, continuava “vagabunda”, então os assistentes sociais ampliaram por 2 anos sua tutela, para “evitar que ela se prostituísse”[3].

Aparentemente temos que ser muito cautelosos quando nos propomos a ajudar os outros, pois o desejo de ajuda constela nos inconsciente uma sombra equivalente, seja com desejos de destruição, seja com aspectos egoístas: ser bem visto nesse meio, poder, além de todos os aspectos cristãos que já bem conhecemos. O bom samaritano que não observa sua própria sombra se torna o pior do vilões, vide a Inquisição.

Temos outra alternativa: abandonar as pretensões de encontrar o Real[4], as tentativas de encontrá-lo apenas criaram uma enorme sombra sobre tudo que não se adequava ao nosso próprio olhar, é importante lembrar que nossas próprias perguntas influenciam nossas respostas. Muita coisa ficou a margem, p. ex., no racionalismo cartesiano, que considera impossível qualquer contradição ou paradoxo. Segundo o existencialismo é justamente na medida em que nos fechamos ao mundo que nos tornamos doentes, pois ficamos impedidos de ver o outro, a dimensão de alteridade não só em relação as pessoas e seus modos de ver o mundo, mas também em relação a qualquer fenômeno (phainomenon).


Se o fechamento em uma verdade é como uma doença, então nenhuma doença poderia ser tão paradigmática como a Paranóia: ‘Para’ + ‘Noia’: pensamento paralelo, pensamento desligado, defeituoso, derouté, entgleist, fora dos trilhos. O atributo primordial da paranóia é a presença de delírios e a impermeabilidade dos mesmos, i.e, eles são tomados como verdades irrefutáveis. Se fantasio que sou um rei esta fantasia se torna real, sou de fato um Rei, não posso observar a fantasia como metáfora: “É como se eu fosse um Rei” ou ainda: “Talvez eu esteja sendo tão presunçoso como um rei, preciso ‘baixar a bola’”. A paranóia é a ausência do Como Se. Muita vezes procura-se os inimigos, os responsáveis pelo Mal, no mais das vezes se tratam de projeções, transferências intensamente carregadas, a um ponto que as vezes parece extrapolar toda vida do sujeito.

Uma possível visão que saia desse referencial é o pensamento junguiano do “Esse In Anima”, de acordo com ele nós não temos acesso ao Real, mas apenas as imagens; sabemos tão pouco da psique quanto da matéria. Logo, o importante não é procurar um real metafísico, além humano, mas saber o que é pragmático. Aqui o que importa é especialmente a intenção de um saber, sua finalidade, digo, o saber científico clássico pode ser bom para construir fabricas, carros, casas, etc., mas ele falha na função de entender o ser humano, ele falha ao pensar em uma sociedade mais prazerosa, ele falha e esbarra em sua própria sombra o tempo todo. É preciso, como costumo falar, que pensemos nossas visões como fantasias, e saibamos que o outro é sempre inesgotável, quer dizer, nenhuma teoria pode dar conta da totalidade do mundo, nem do ser humano. Por mais que procuremos, e isso tem relevância, um saber complexo, completo, é fundamental que ele não esgote a pessoa, pois é justamente onde se encontra o mistério que preservamos nossa singularidade.

A singularidade deve se expandir, se expandir, p. ex., a modos de ação política complementares, a ampliação das diferenças (e uma maior aceitação das mesmas). Ao fugir da massificação, não em um mundo underground fechado, porém em nossa excêntricidade, criamos novos modos de relação. Já dizia James Joyce: "O Estado é concêntrico, o indivíduo é excêntrico". Muitas vezes influenciamos mais os outros através de nossos próprios modos de conduta do que exatamente com falatório.

[1] - Em seu sentido etimológico epistemologia vem de: “episteme” conhecimento superior + “logia” discurso, estudo. Inicialmente Platão considerava que o conhecimento poderia ser divido entre: “Episteme” como conhecimento superior e “Doxa” ou opinião, que seria o saber senso-comum e de pouca valia.
[2] - Embora saibamos da discussão sobre o termo paradigma, aqui ele é empregado apenas como modelo.
[3] - Informações em: O Abuso do Poder de Adolf Gruggenbuhl-Craig. Lembremos ainda que esse quadro se refere a uma data época, embora recente, e não gostaríamos de generalizá-las de todo para a época atual.
[4] - Quando falo em Real, falo de uma verdade inabalável, seja ela manifestada nas ciências supostas “naturais” (?), nas ciências humanas (?), ou ainda presunção de ter encontrar uma sociedade ideal para todos os sujeitos.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Difícil crer que a retórica stalinista ainda sobrevive, a despeito da enxurrada de revelações que se produziu durante e após a queda do regime pseudo-socialista soviético. Tudo que vai de encontro à opinião destas figuras é tachado de "imperialista", ideologia burguesa, "mentira ianque", blá blá blá. Assim também Theodor Adorno foi acusado de ser agente da CIA (!). Estratégia bem desonesta essa, que falsifica e inverte tudo. O stalinismo é ideológico no pior sentido do termo (naquele dado originalmente por Karl Marx) - é uma concepção invertida da realidade. Falar nos termos de um "crescimento econômico" superior, querendo demonstrar com isso o quanto os operários participavam positivamente dos faraônicos empreendimentos do Estado Soviético: é aí que o tiro sai pela culatra. A simetria nos termos da discussão (porcentagens, crescimento econômico, rendimento de trabalho etc) mostra o quanto que o socialismo do Leste Europeu se igualava ao Ocidente, inflado pelas mesmas instituições, pelo mesmo fetichismo da técnica (ou "razão instrumental"). Legitimando-se através de um discurso pró-operário e socialista, a burocracia soviética podia então impor e reproduzir as instituições básicas do capitalismo, a começar pelo Estado racionalmente conduzido. Mas isso os nossos stalinistas não querem ver. Eles têm maior gosto pela fenomenologia do discurso, que é a casa por excelência do espetáculo, do que pela análise concreta dos casos, de acordo com uma visão ampla das relações sociais. Como se a acumulação econômica e militar sem precedentes no antigo "bloco socialista" não denunciasse por si mesma a lógica que jazia ao desenvolvimento pós-revolucionário.

Importante lembrar que, para acobertar as contradições presentes (entre os proletarizados e o imenso aparato político-militar e econômico que se lhes opunha), o Estado Soviético utilizou largamente do nacionalismo e ideologias afins: todos eram chamados à "unidade nacional" para, em nome da Pátria Socialista, se sacrificarem. A ideologia protestante do trabalho foi outra que vingou desde o início, dando um tom quase mítico ao matadouro fabril. Mas nada disso interessa.

Mesmo quando querem dar um "ar fresco" ao marxismo, os stalinistas não se contêm. Alguns até, muito progressistas, afirmam que o antagonismo entre "proletariado" e "burguesia" teria acabado. Caberia agora encontrar um outro, ou melhor, "O" outro sujeito revolucionário. Os povos indígenas são uma das miras (acreditem, ele foi capaz de chegar a esta conclusão!!). Mas como e em que condições devem os povos indígenas se rebelarem? Para fundar um novo Estado, uma nova forma de opressão? Uma nova "classe dominante"? Então haverá opressores e oprimidos, como afirma o pequeno-burguês (sic) Bakunin, e a liberdade não estará garantida, tampouco a igualdade.

Não me interessa muito a discussão dos eventos do passado, a eterna rixa para ver quem é mais revolucionário. Porém, em caso de obtusidade e tagarelice programada, quebro o vidro. Não é nunca demais lembrar os crimes históricos do bolchevismo (e do stalinismo, que é nada mais que a sua decorrência lógica) contra as iniciativas autônomas dos/as trabalhadores/as. Os troskos, por sua vez, não fazem mais do que confirmar o caráter repressivo do marxismo tradicional. Com efeito, a essência do trotskismo é a ciumenta disputa pelo poder (basta ver como agem os partidos trotskistas no Brasil).

É possível fazer outra leitura do marxismo? Sim, acredito eu. E é mais do que necessário, nessa empreitada, contrariar os cânones do bolchevismo. Karl Korsch já denunciava no seu tempo a degeneração do marxismo em ciência burguesa, fragmentado-se em uma pá de gavetas disciplinares. John Holloway nos faz lembrar a importância da negatividade. Antes de tudo, é preciso ter a consciência de que o marxismo não passa de uma visão entre outras - ele não é "a" verdade, não é dono desta. É só a partir desta constatação, no entanto trivial aos que não se escondem atrás da máscara da arrogância, que podemos começar a nos mover.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Paranóia Social

Depois do último texto esvaziado de observações, que dá a impressão de sua infuncionabilidade proponho outro modus operandi: após o texto rechecado de história e opus citatum venho com um texto miserável, incerto, que nem eu sei se concordo, talvez assim eu fique cool, cult e seja reconhecido pela massa underground. Depois de tantos paradoxos, vamos ao que importa, ou exporta, qualquer coisa legível (?):

Falávamos sobre violência e, sim, também sobre pós-modernismos: além é claro da loucura clássica. Falemos, pois, da paranóia: desarranjo mental, loucura, délire, demência. ‘Para’ + ‘Noia’: pensamento paralelo, pensamento desligado, defeituoso, derouté, entgleist, fora dos trilhos. É importante considerarmos que a paranóia “é” uma desordem do pensamento, uma desordem mental paradigmática onde uma de suas características essenciais é o delírio. Delírios de grandeza ou megalomaníacos, de perseguição, de ciúmes, de referência, etc. A psiquiatria habitualmente define delírio como julgamento falso sobre a realidade sendo impermeável a qualquer averiguação lógica ou evidência dos sentidos.

Eu acrescentaria que a paranóia, ao ser uma desordem do significado, é literlizante. Dessa forma ao lidar com vozes, visões, percepções, sonhos, o paranóico concretiza e literaliza toda narrativa: é Deus quem fala comigo, tenho uma missão, sou eu quem salvará a humanidade dos inimigos, se trata de uma missão cósmica e estou recebendo comandos divinos. Se existe uma necessidade de contato com o feminino ele é literalizado como no onipresente caso Schreber onde ele precisava emascular-se, remover-se da categoria dos homens.

Mas, afinal, o que a paranóia em haver com a política, com o Socius? Ora, o Alexandre já lembrou a “paranóia” da direita, remetendo o topo da pirâmide da nossa sociedade a esquerda, uma esquerda diabólica e sinistra. Isso é uma típica atitude paranóica, de literalização e projeção da sombra, tal como a esquerda também o faz em movimento oposto, um exemplo típico são algumas muitas pessoas dentro do movimento político-musical. Esse tipo de movimento paranóico acaba por gerar atitudes graves e severos controles, sejam estes controles exercidos através de policias secretas, exército, vigilância eletrônica, mídia de massa, ditadura do proletário, medo de fraqueza, repressão dos movimentos sociais, das minorias, repressão do diferente, etc. Esse movimento de certo modo é um assassinato da alma.

Alma em latim é anima e Jung a associava ao feminino no homem, ao que há de desconhecido, a ligação com o inconsciente, etc. Acrescentemos a esse quadro que a anima tem uma ligação fundamental com a metáfora, com a sensibilidade, pluralidade, com o humor, a estética e a suavidade. Não é por menos que James Hillman falará: “É preciso fazer alma no mundo” retomando a antiga imagem neo-platônica de anima mundi. Aqui no blog temos associado a necessidade de conjunção, de ligação entre opostos como falamos com Eros, como falamos através de Hermes: conjunções diversas, criação de fluidez, Eros e Thanatos, Apolo e Dioniso, Narciso e Eco.

Se é preciso fazer alma no mundo é preciso desliteralizar os movimentos paranóicos, sejam estes estatais ou teológicos, científicos ou religiosos, muito embora muitas vezes ambos andem de mãos dadas. Schereber não foi capaz de superar a paranóia, pois se considerou liberto da dúvida e sua libertação o aprisionou, aprisionou-o na revelação, no delírio. A revelação se não puder ser cotidiana acaba gerando algumas complicações, pois a sua característica é obnubilar a consciência, isto é, diminuí-la, é o que chamamos de abaissement du nivau mental (abaixamento do nível mental). Toda revelação é um movimento afetivo intenso, dessa forma toma o foco da consciência para um único fenômeno, o que pode ter em si problemas ou desproblemas. Certo que existem pessoas que dizem que não ter uma obsessão é coisa do cidadão ordinário, no pior sentido da palavra. O problema talvez exista quando achamos que a única possível revelação se refere a nossa revelação, a que acontece para nós, esta mesmo que está em foco, isso impossibilita e turva a visão para a própria alma do mundo, a profundidade de cada fenômeno, a própria fala da cidade para conosco, brincando perto dos situacionistas.

Assumimos que muitas vezes mecanismos de defesa são utilizados: se para Bush o Iraque, o Afeganistão ou a Venezuela são o mal, estão traindo a ordem do capitalismo e da “democracia” (?) esse movimento acaba por direcionar a atenção a eventos externos, impedindo que a população possa olhar para os problemas do próprio pais, de sua própria cidade. Da mesma maneira ao errarmos, ao nos tornarmos mesmo esquerdistas, os próprios fascistas, tendemos inversamente ao grau de autoritarismo a acreditar que o que falamos se revela como verdade, como iluminação. Não se trata aqui de criar uma política anti-iluminação, anti-revelação, mas antes de entender as próprias revelações, as próprias iluminações como ficções, como piadas ou como ilusões heurísticas, quer dizer, ilusões que permitam movimentos benéficos para si ou para a coletividade que estamos inseridos. Um exemplo clássico de projeção de sombras era a situação bi-polar da guerra fria, que embora mascare movimentos idênticos, não deixou de deixar suas marcas dualistas óbvias: Deus e o Diabo se confrontavam no além humano do imaginário humano.

Esse ensaio é apenas uma abertura, não estou certo de onde ele exatamente pode nos levar, mas abro o assunto, caminhos tentando ampliá-los através das analogias míticas, históricas. Jaques Lacan irá dizer que a tarefa do analista é mais fazer o sujeito vacilar do que propriamente revelar-lhe significados, isso é uma questão contemporânea e de difícil conclusão. A certeza é uma condição da paranóia, mas também da psicose (saber "o real" aquilo que se mostra) falta da dúvida, ou mesmo a foraclusão do nome do pai (Lacan), isto é, ausência de desejo que seria provocada pela Falta¹. As teorias que se pretendem totalizantes, encontram ai uma problemática, incluindo o marxismo e talvez qualquer anarquismo que se proponha a um modelo universal e de economia única. É impossível um modelo organizacional para todos os anarquistas, é impossível uma única maneira de ação, isso só se tornaria possível através da explicação vertical do know how explicado por uma suposta elite intelectual... enfim, nem sei mais para onde ir..
¹ - Será que poderemos com James Hillman mostrar que a psicanálise é paranóica em relação a sexualidade e os junguianos em relação ao Self? Será que a sexualidade e o Self agem como se fossem um IHVH (Iavé) ciumento que não permite outro Deus?

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Manual do libertário PÚSmoderno


Manuais me assustam. São insosos, quadrados, sistematizados e ensinam-nos regras. Não odeio as regras em geral, odeio geralmente quem as ensina. Pó de giz acompanhado destas me dá sinusite. E sinusite me lembra remédios para o nariz, que me lembra a indústria farmacêutica, que me lembra o capitalismo, que me lembra os panfletos dos partidos trotskystas. Não, eu simplesmente não quero falar disto.

Se eu parar cinco minutos para sistematizar minha vida, tenho certeza que ela acaba. Tente fazer com a sua. A vida funciona bem é no caos. Tem lá seus problemas, seus efeitos colaterais(como descobrir que se está inscrito em História Antiga II três meses depois das aulas terem começado) mas em geral toda dicotomia vida x morte tem lá seu encanto. Sem dicotomias não existiriam filmes japoneses, times de futebol e toda a civilização ocidental. E sem humor não haveria o Maio de 68, as anedotas sobre Bakunin e boa parte do movimento anarquista(a parte boa... a boa parte...). Aliás como não perco a oportunidade de um bom mote(e motes devem sempre ser utilizados para justificar atitudes irresponsáveis, mesmo em manifestações individuais de auto-afirmação): "Se não posso dançar não é minha revolução." Boa leitura.

Alguns dizem que não há esse negócio de vida e morte. Que a morte faz parte da vida. E outros vão além. A própria morte é a vida. Viver é morrer(viveeeer.. e não ter a vergonha de ser feliz...). Morrer é viver. O Amor faz da vida um morrer amargo e lento, mas que horrorosa a vida de quem não vive morrendo(*).

Dizem também que a validade do conselho ou do discurso vale de onde vêm. É o que chamam de poder. O poder do discurso, sua legitimidade. Tente explicar isso para cinquenta straight-edges num show de hardcore crossover, simplesmente não funciona.

A partir disto, só vejo utilidade neste texto a partir do que ele ensina para mim. Não há autoridade acadêmica que resista a uma linguagem contra-cultural e autoridade contra-cultural(e há muitas, tantas quanto eu posso contar) que resista uma linguagem acadêmica. Isso é meio Stirneriano(ou outsider atualizando em linguagem modernosa). E quem não é que atire a primeira pedra.

Me sinto meio cristão. Lembro-me da parábola de Jesus: quem nunca pecou que atire a primeira pedra. Um cara muito cristão era um tal de Nietzsche. Era tão cristão, que atirou pedras no cristianismo até sua morte. Ele nunca pecou. Que pena, não sabe o que perdeu.

Filósofos realmente são pessoas muito estranhas. Assista um seminário de filosofia às 08h da manhã e descobrirá porquê você ri das piadas contidas em Simpsons ou em South Park. As mônadas na conferência de Paris. Essa foi boa, melhor do que o bambu(se não conhece a história pare de ler o texto, você definitivamente não é um libertário PÚS-moderno).

Mas eu não estou aqui para falar de filosofia, nem poderia. Vim falar de técnicas corporais, e mentais para resolver o problema do cotidiano dentro da modernidade, esta nova e graciosa filha que o anarquismo resolveu namorar sob as asas do tio liberalismo. São técnicas que acabam com problemas típicos que o movimento anarquista enfrentou: organização, luta de classes, pedagogia libertária, bla bla bla, que papo chato...

Cult-way-of-life!! Go! Go!

Da história e origem dos manuais como estes

Um cidadão moderno, definitivamente não tem tempo para ler este tipo de coisa. Nada que demore mais do que dez segundos(o tempo de leitura de um panfleto onde lê-se vende-se ouro) ou uma viagem do metrô merece a atenção do libertário PÚSmoderno. Livros são caretas.

Dos objetivos do manual do cidadão PÚS-moderno

O objetivo é algo típico de uma sociedade teleológica como a nossa, finalista, objetivista e outros istas que podemos encontrar em nosso dicionário de ciências sociais para leigos, como tal, deve ser deixado de lado, junto com os profissionais de filologia e as tiradas batidas de Nietzsche em mesas de bar(estas são proibidas pelo manual do libertário PÚSmoderno).

Das edições passadas do Manual do libertário PÚSmoderno

Edições passadas não existem se não estiverem acompanhadas de sebos.

Do perfil do libertário PÚSmoderno

Sociedades de consumo avançado, produzem perfis diferentes. Não. Nós não vamos entrar numa discussão sobre marxismo agora. Isso definitivamente não está em pauta no momento. Seja PÚSmoderno. É mais fácil. Terá menos inimigos na academia(e terá muitos amigos caretas tenha certeza disto). O ponto positivo é que você JAMAIS receberá um panfleto de plebiscitos de campanhas insosas, no caso dos trotskystas, isso é muito, muito bom. Economizará papel. Há também o problema conceitual em cagar Foucault a cada cinquenta segundos nos corredores das universidades, esteja preparado para andar com um papel higiênico nos bolsos(não, você não pode falar em questões de ordem neste momento).

Da alimentação do libertário PÚSmoderno

Há dois tipos de alimentação que o guerrilheiro pós-moderno está submetido: a que faz mal e a que é você paga mais caro para que faça mal. Pastéis Heideggerianos, coxinhas Gramscinianas e quibes correlatos, devem ser evitados. Refrescos de caju, devem vir acompanhados de comentários sobre o último filme do Almodóvar.

Da linguagem utilizado pelo libertário PÚSmoderno

Evite jargões técnicos em público. Use-os em excesso no privado. Seja dualista nas mesas de bar, é como Kung Fu, Duro com os suaves e suave com os duros, traduzindo a nossa linguagem teórico e acadêmico com os populescos e populesco e prático com os acadêmicos. Use cerveja ou aforismas do Nietzsche se for preciso. Caso tenha crises de auto-consciência, utilize intensivamente jargões populares(esconderão o fato de você morar em áreas nobres da região), cante músicas populares em elevado tom de voz(isso esmaga totalmente os dissidentes; use funk se quiser ser duro, mpb se suave ou forró se preferir a indiferença), toque zabumba numa manifestação popular de turistas no centro da cidade ou frequente algum terreiro de umbanda branca.

Dos lugares que o libertário PÚSmoderno deve frequentar

Há muitos lugares cults onde você pode estar. Na verdade você podee deve estar em todos eles, essa prática de estar em tudo é algo imprescindível ao libertário PÚSmoderno; menos vendendo poesias em frente ao CCBB(gosta de poesia?). Isto é definitivamente proibido.

Das roupas e acessórios que o libertário PÚSmoderno deve usar

Óculos quadrados e com aros negros, devem vir definitivamente acompanhados de uma música do Echo and The Bunnymen e uma visita a uma ocupação de sem-teto(se o prazo da visita expirar, procure seus amigos anarco-ativistas para a renovação do visto).

Sapatos e tênis retrôs devem ser estimulados, isso dá um grande argumentode que você está preocupado com o avanço do capitalismo de estado chinês e talvez renda uma boa conversa sobre o boicote como arma de superação do capitalismo(ou de maneira efetiva de fazer sexo duas ou três vezes por mês).

Da leitura do libertário PÚSmoderno você-sabe-o-resto...

Leituras devem ser apenas citações, tudo acima disto deverá ser tratado estritamente, raivosamente como academicismo(expire a fumaça do seu cigarro de Bali em tom de indignação, soque a mesa e repita a-ca-de-mi-cis-mo entre os dentes, não se esqueça de agredir seu amigo de faculdade preferido com uma onomatopéia apropriada). Há livros especializados de aforismas. Sirva-se destes. O resto será definido pela subjetividade e pelas mesas de bar. É para isto que servem as revistas especializadas e outros libertários PÚSmoderno bêbados , lhe evitam o dispendioso esforço de perder cinquenta minutos lendo algum livro chato e tedioso.

Ignore esta regra dentro das salas de aulas do seu curso de relações internacionais ou sociologia.

Leia tudo que seu professor mandar.

Do capitalismo e das análises políticas

Serão sempre uma questão de estilo. Portanto, adapte-se à moda!

Da utilidade deste manual

Se o leitor riu de algumas piadas apresentadas e não se assumiu como libertário PÚSmoderno(...), definitivamente descobrimos uma maneira científica(tesconjuru pé-de-pato mangalô 3 vezes! E quem aqui falou de ciência? Nego até a morte!) de encontrar o libertário PÚSmoderno-(...).

Do autor

O autor se exime de qualquer responsabilidade sobre o conteúdo apresentado. Quaisquer semelhanças podem ser encontradas no cine Odeon, em Santa Teresa, ou no CCBB ou em espaços libertários em dias de chuva.

Das futuras edições e/ou atualizações

Virão. Em dias ímpares e ao som do novo cd do Radiohead. Afinal, a contradição faz parte da vida.

(*)
Amor Hace de La Vida
Um morrir amargo y lento
Más que horórosa la vida
de quién no vive muriendo
(Manuel González Prada - Grafitos)

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Trabalho e Loucura


Um estudo sobre a loucura do trabalho e do trabalho da loucura.

Introdução:

Pretendemos com este pequeno texto abordar de maneira introdutória as relações entre trabalho e loucura, isto é, as múltiplas maneiras dentre as quais estes se relacionaram dentro de um período histórico. Podemos começar dizendo que, pelo menos até o século XVIII, havia uma política institucionalizada da internação de ociosos, vagabundos e mendigos. Internação “justificada”, na medida em que a loucura até então não encontrava plena ligação com a prática médica que, por mais que tenha surgido com o positivismo, ainda permanecia, ao menos no âmbito da psiquiatria, muito ligada a pensamentos místicos, políticos, religiosos ou de influencia imaginária. Portanto, os grandes asilos não eram feitos especialmente aos “loucos”, isto é, aos hoje chamados de loucos, mas o conceito de loucura da época era de tal forma genérico e impreciso que podia abranger toda sorte de sortilégios sociais. Um homem, por exemplo, foi preso no século XVII por não ficar de pé na igreja nas horas corretas. Os mendigos eram presos junto com os vagabundos, os pervertidos, os loucos, etc. “O internamento seria assim a eliminação espontânea dos ‘a-sociais’” (Foucault, 79).

Os donos do asilos durante o século XVII e XVIII eram religiosos de alta conta ou muitas vezes burgueses, especialmente depois que a revolução positivista foi se apropriando do poder de forma mais nítida. Dessa forma o poder burguês ou do clero utilizava-se dos asilos para manter tanto a ordem social, evitando revoltas, tal como para escamotear a fealdade social, e manter a tão “em voga” ordem, razão e harmonia social. E ainda a “loucura”:

Ignorada há séculos, ou pelo menos mal conhecida, a era clássica teria começado a apreendê-la de modo obscuro como desorganização da família, desordem social, perigo para o Estado. E aos poucos esta primeira preocupação se teria organizado, e finalmente aperfeiçoado, numa consciência médica que teria formalizado como doença da natureza aquilo que até então era reconhecido apenas como mal-estar na sociedade (op. cit, 80).

Dessa forma criou-se, através de subterfúgios diversos, uma visão de loucura ampla, conceito tão mal definido que a medida de sua ampliação era a medida de sua indefinição. Todos os a-sociais eram loucos. A partir daí pensou-se em muitas punições e “tratamentos” para esses indivíduos mal vistos e firmemente repudiados a partir da era clássica onde eles perdiam seus entornos míticos, ou talvez, ganhassem uma nova mitologia.

Do trabalho da loucura

Até a Renascença a loucura era percebida em um aspecto transcendente e imaginário, aspecto este que dava conta de suportá-la, pois lá ela era atribuída de sentido. O mundo da Renascença era o mundo ainda povoado de multiplicidades o que viria a mudar na época clássica. Segundo Foucault:

O ‘Cosmos’ da Renascença, tão rico em comunicação e simbolismos internos, dominado inteiramente pela presença cruzada dos astros, desapareceu, sem que a ‘natureza tenha encontrado sua condição de universalidade, sem que acolha o reconhecimento lírico do homem e o conduza no ritimo de suas estações. O que os clássicos retem do ‘mundo’, o que já pressentem ‘natureza’, é uma lei extremamente abstrata, que no entanto constitui a oposição mais viva e mais concreta, a do dia e da noite. Não é a época fatal dos planetas, não é ainda a época lírica das estações; é o tempo universal, mas absolutamente dividido, da claridade e das trevas. (Op cit., 244-245)

Com o advento da era clássica a famosa dualidade retoma seu campo. Luz e escuridão, noite e dia, bom e mau, certo e errado, verdadeiro ou falso. A era clássica, por mais que não possa ser resumida a isto, torna seu caráter maniqueísta explicito. Essa era passa a julgar de maneira muito mais moralizada os sujeitos de sua história, rejeitando os inúteis sociais, isto é, aqueles aos quais não faziam parte da grande comunidade do Trabalho. É aí, portanto, que a loucura começa a sua demarcação que caminha para a contemporaneidade, na era clássica aparece finalmente o conceito de “desatino” que servirá para marcar este lugar, o lugar do louco, do mendigo, daquele que não trabalha e foge dos padrões morais desta sociedade trabalhista, afinal, “qualquer trabalho é melhor do que nenhum”. Dessa forma é justamente:

“nesse outro mundo, delimitado pelos poderes sagrados do labor, que a loucura vai adquirir esse estatuto que lhe reconhecemos. Se existe na loucura clássica alguma coisa que fala de outro lugar e de outra coisa, não é porque o louco vem de um outro céu, o do insano, ostentando seus signos. É porque atravessa por conta própria as fronteiras da ordem burguesa, alienando-se fora dos limites sacros de sua ética”. (op. cit, p.73).

É esse o tempo da ética protestante que toma de assalto o mundo da transcendência e torna-se aos poucos transcendente por si só. Nesse tempo Calvino poderá dizer: “Não tentarás o Eterno, teu Senhor”, e pergunta: “Não querer trabalhar, não é ‘pôr à prova o poder de Deus’?” (Calvino apud Foucault, p.72). O Hospital Geral na França passa por ter a função de impedir a mendicância e a ociosidade, fontes poderosas do mal. Sobre a irradiação do Trabalho como a grande Opus de Deus estão os asilos, que tomarão uma forma de impedimento, não permitindo que os não trabalhadores sejam aceitos pela comunidade e, é justamente:

“nesses lugares da ociosidade maldita e condenada, nesse espaço inventado por uma sociedade que decifrava na lei do trabalho uma transcendência ética, que a loucura vai aparecer e rapidamente desenvolver-se ao ponto de anexá-los” (op. cit: p.73).

É neste local que a loucura toma a antiga posição dos leprosários, lugar onde se alojavam os miseráveis, vagabundos e desempregados, em suma, o mal sócio-espiritual manifestado. De que forma se daria, portanto, uma solução a toda essa espécie de desvairados? Somente através do trabalho obrigatório, com certeza, mas não o mero trabalho, pois ali não existe dissolução entre aspectos econômicos e morais, o objetivo se coloca também como forma de punição até se tornarem mais visíveis as técnicas do “despertar” que serão muito utilizadas no final do século XVIII e no século XIX. Dessa forma podemos observar o hospício além da retenção de subversivos e desatinados:

Mas fora os períodos de crise, o internamento adquire um outro sentido. Sua função de repressão vê-se atribuída de uma nova utilidade. Não se trata mais de prender os sem trabalho, mas de dar trabalho aos que foram presos, fazendo-os servir com isso a prosperidade de todos. A alternativa é clara: mão de obra barata nos tempos de pleno desemprego e de altos salários, e em períodos de desemprego, reabsorção dos ociosos e proteção social contra agitação e revoltas” (op. cit, p. 67).

É ainda nos regulamentos do Hospital Geral que vemos de que forma essa autoridade em forma jurídica se dava em relação à punição (explicitando bem a postura não médica, mas jurídica da internação), segundo este regulamento os diretores do hospital: “Têm todo o poder de autoridade, de direção, de administração, de polícia, jurisdição, correção e punição” (op. cit, 74).

A política então será de internação, de não aceitação dos loucos no espaço social dos burgos, mas estes não-seres deveriam ser colocados num espaço a margem, no hospício. A lógica do hospício, de retenção dos indivíduos que causam perigo ao Estado a lógica mercantil burguesa e a moral judaico-cristã, será mantida por muito tempo. No Brasil, por exemplo, iremos encontrar gigantescas colônias que serviam-se também do trabalho como forma de gerar capital e como forma de tratamento moral.

“Considerando a extensão do Brasil, assistimos a uma proliferação de macrocolônias de alienados por todos os cantos do território nacional, quase todas criadas pelos psiquiatras Juliano Moreira e Adauto Botelho, diretores nacionais de assistência psiquiátrica entre 1910 e 1930, e 1930 e 1940, respectivamente. Em quase todos os estados existem ou existiram manicômios com o nome de um ou de outro, quando não de ambos. A colônia do Juqueri, em São Paulo, foi a maior de todas, chegando a abrigar 16 mil internos” (Amarante).

Aqui já fica evidente que essa política chegou pelo menos até a metade do século XX, onde só foi diminuir após os movimentos anti-manicomiais começados com Basaglia e com os movimentos dos trabalhadores de saúde mental como aconteceu no Brasil. A nova ótica poderia atacar diretamente os mecanismos de exclusão e da instituição total que se criaram, modelos totalitários que seguiam muito a lógica mecânica e anti-individualizante de um grande período da ascensão industrial. Dentro dessa lógica, vimos a violência, os maus tratos e a humilhação das pessoas transformadas em entes e especialmente a naturalização da doença. O que eram espíritos maus que invadiam os acometidos passava a ser doença, o que não deixou suas bases projetivas. A separação sujeito-objeto, se é que houve de fato nesta época, foi muito mais conceitual do que factual.

Ainda no Brasil, Rodrigues Caldas, diretor da colônia Juliano Moreira em 1920, em seu discurso inaugural disse estar pronto para lidar com: "os delicados problemas atuais de higiene e defesa social pertinentes aos deveres do Estado para com os tarados e desvalidados de fortuna, do espírito ou do caráter, para com os ébrios, loucos e menores retardados, ou deliquentes abandonados, assim como para com os indesejáveis inimigos da ordem e do bem público, alucinados pelo delírio vermelho e fanático das sanguinárias e perigosíssimas doutrinas anarquistas ou comunistas".

Aqui temos uma união bombástica, que durou grandes períodos, presos políticos eram misturados com os delinqüentes, os considerados inválidos, os de comportamento aconvencional, os pobres, “loucos”. Todos eram, de fato, uma preocupação do Estado e da ordem burguesa.

Talvez aqui podemos lembrar da origem etimológica de trabalho:

Nos países de língua germânica, a palavra “Arbeit" significa trabalho árduo de uma criança órfã e, por isso, serva. No latim, “laborare” significava algo como o ‘balançar do corpo sob uma carga pesada’, e em geral é usado para designar o sofrimento e o mau trato do escravo. As palavras românicas ‘travail’, ‘trabajo’ etc. derivam-se do latim, ‘tripalium’, uma espécie de canga utilizada para a tortura e o castigo de escravos e outros não livres. A expressão idiomática alemã – ‘canga do trabalho’ (‘Joch der Arbeit’) – ainda faz lembrar este sentido (Krisis, 45-46).