sexta-feira, 22 de junho de 2007

Palavras sobre a crítica do trabalho

Em primeiro lugar, por que a crítica do trabalho? Tantas vezes temos feito essa discussão e no entanto sempre a terminamos sentindo que havia muito mais pra discutir. A crítica do trabalho é um tópico delicadíssimo, um dos mais delicados, porque sempre envolve polêmicas do tipo antropológica. É claro que a crítica do trabalho não quer dizer crítica da atividade produtiva ou da atividade humana em geral, muito pelo contrário. Os promotores mais fortes da crítica do trabalho - os alemães do grupo Krisis, e agora do grupo Exit! - têm defendido que o trabalho não pode ser jamais confundido com o fazer humano, pois trata-se de uma forma específica e historicamente localizada deste fazer. Num primeiro momento, pode-se achar até que se trata de humor. A idéia de uma "crítica do trabalho" é a tal ponto escandalosa que provoca risos na consciência fetichizada da sociedade da mercadoria. Mas é preciso "pensar o impensável", descondicionar o pensamento, e é a isso que vem o "Manifesto Contra o Trabalho" (e toda a discussão subsequente). A crítica social tradicional da esquerda jamais pensou em tais termos. Preferiu deixar o dogma social intacto, ou o que é ainda pior, em muitas ocasiões tornou-se propagandista moral do trabalho, fazendo uníssono com a direita. Isso porque acreditava - e continua a acreditar nos dias de hoje... - que o trabalho é algo de oposto ao capitalismo, tanto como "valor moral" quanto como sujeito. No primeiro caso, parte-se de um equívoco: considerar que o exercício de mando no capitalismo é similar ao status de senhor na sociedade feudal. Mas ora, basta dar uma olhada no mundo de hoje para ver que os que mais se matam de trabalhar são justamente os nossos "empreendedores", principalmente os de grande porte. Eles estão sob pressão da concorrência e não podem perder um minuto sequer, nem para aproveitar a sua fortuna. Tudo isso decorre de outro tópico: a dominação no capitalismo se diferencia essencialmente por ser uma espécie de "dominação sem sujeito", onde o posto de sujeito é ocupado pelo dinheiro-capital. Já no segundo caso, a considerar que a "classe trabalhadora" é o sujeito revolucionário por excelência seria desconsiderar que a própria "classe trabalhadora" é uma categoria constituída no interior do capital. Mas isso deixemos para depois.

Em primeiro lugar, é preciso identificar o trabalho como uma instituição social de validade histórica: outros tipos de sociedade não conheceram o trabalho. Havia toda sorte de atividades a serem executadas, mas não existia um princípio universal que moldava as relações sociais segundo suas próprias exigências. Princípio universal porque se trata realmente de um princípio prático e conceptivo que não abriga particularidade alguma - "trabalhar" vale sempre para qualquer tipo de atividade, desde que organizada segundo os moldes da racionalidade empresarial (depois falaremos sobre as outras concepções possíveis de trabalho). O trabalho não tem fisionomia. Por isso não tem sentido falar em "trabalho abstrato", pois o trabalho é já uma figura abstrata. Como diz Marx, ele "desfigura a fisionomia" de todo tipo de atividade ao assumí-las enquanto conteúdo. É este princípio universal - do qual decorre outro, o dinheiro, sua materialização... - que estrutura a vida moderna mais do que qualquer coisa. Ele define as necessidades sociais muito antes das necessidades essenciais dos indivíduos, de forma que toda a vida social é organizada em torno do trabalho. Dizia eu que em outros tipos de sociabilidade não existe um princípio universal que regulariza toda a vida social. As atividades necessárias a reprodução social existem, obviamente, mas nenhuma delas se encaixa num modelo abstrato e separado da vida. O trabalho não existe em tais sociedades. Não se pode observar nenhum puro e simples "dispêndio de energia humana" subsistindo fora e ao lado do relacionamento social (e por isso "abstrato", separado). Isso acontece na mediação universal do dinheiro, por exemplo - ele representa um gasto nada preciso de força de trabalho. Por isso pode-se trocá-lo por outra soma qualquer de gasto de força de trabalho, desde que equivalente.

Numa de nossas discussões, foi questionado se a cisma não era na verdade contra o conceito de "trabalho", pois que um conceito pode guardar muitos outros. Devo dizer que concordo em parte. Não se deve cristalizar o conceito, e nisso eu concordo. Ter "mão ferréa" para com o conceito implica cair num certo "dogmatismo conceptual" que pode obstruir qualquer discussão. Eu entenderia perfeitamente o que o Fernando quis dizer, por exemplo, não final de seu último texto, rechaçando o "trabalho mecânico", pontual e assassino, e fazendo assim diferenciação. É claro para mim que ele se pronuncia contra o trabalho capitalista, e por uma forma mais integral de realizar o "metabolismo com a natureza". Porém, é preciso lembrar duas coisas: a primeira é que não existe um equivalente para o trabalho nas sociedades não-capitalistas justamente porque não existe nenhum tipo de atividade disforme e separada do contexto social. Quando a sociedade é capaz de organizar as atividades ou os fazeres mantendo sua unicidade, já não há "atividade" ou "fazer", apenas o que há de concreto (embora abstrato, já que continuam sendo palavras... e conceitos) - jogar bola, dormir, ler, pintar, cozinhar etc. Em segundo lugar, é preciso chamar por uma breve citação de H. Lefebvre - "Transformar o cotidiano é produzir algo novo que pede palavras novas".

Outra questão que veio à tona foi sobre a confusão entre o fazer propriamente dito e o trabalho abstrato. É perceptível um certo desejo na crítica dos alemães de suprimir também o trabalho enquanto fadiga, e nesse sentido há ambiguidade da crítica. Reitero o que eu provavelmente disse na mesa: o que Kurz e cia. põe em questão é que, partindo do desenvolvimento técnico atual, poderíamos muito bem reorganizar uma série de atividades suprimindo-lhe o caráter fatigante, e até mecanizar muitas coisas, de forma a liberar as pessoas para atividades mais dignas. O potencial emancipatório da tecnologia foi algo colocado em muitas discussões socialistas (Marx discutiu-o muito bem). O que entrava este potencial é justamente o sistema produtor de mercadorias, na medida em que organiza tal potencial pelo viés da racionalidade empresarial, tudo para tirar a maior taxa de mais-valia possível do trabalhador/a e causando desemprego em massa. É claro que nem tudo poderia ser utilizado para uma futura sociedade libertária, pois que muitas das técnicas são puro fetiche, poluentes e pré-concebidas já segundo os moldes da exploração, e aqui entra outra discussão. Mas em geral, gosto de lembrar também de Bakunin sobre o efeito liberatório da civilização - é o trabalho coletivo e contínuo de todas as gerações (e aqui ele fala de trabalho como atividade em geral) que permite uma autonomia cada vez maior do gênero humano em relação à natureza, e isso é positivo, porque traz outras possibilidades para os indivíduos.

A crítica do trabalho, portanto, não é nenhuma "cisma", e sim um assunto sério que deve ser discutido nos círculos libertários e da esquerda que se pretende renovar frente ao fracasso que foi a experiência do "socialismo real". Para isso servem não só Kurz e seus companheiros, mas também poderíamos lembrar o próprio Marx (o Marx "esotérico") e algumas boas intuições dos situacionistas.


terça-feira, 19 de junho de 2007

Epistemologia, Ciência e Sociedade.




É certo que muitas criticas a análise do mundo contemporâneo se caracterizam pela crítica ao modelo positivista que é utilizado em muitas destas análises, seja na história, sociologia, psicologia ou em teorias revolucionárias. Uma crítica justa, sem duvidas, já que o modelo positivista realmente cria uma série de complicações ao pensarmos em uma sociedade mais prazerosa, quer dizer, prazerosa para todos, ou para maioria, e não para uma minoria economicamente dominante. Não apenas, o modelo positivista de pensar afasta sujeito e objeto, reifica o outro em lugar de coisa e des-liga o ser humano de sua responsabilidade, permitindo atrocidades contra a natureza, que seria mera “res extensa”.


Por outro lado existem ideologias ou teorias que desejam substituir o positivismo e ainda assim não perdem velhos hábitos, como criarem determinismos lineares infantis e simplistas. Claro que esse não se pretende um texto longo, então nos exemplos reduziremos as já reduzidas explicações teóricas sobre o mundo, nesta perspectiva, como: “a economia determina as relações sociais”, “a genética determina o ser humano”, “as relações passadas na infância determinam a estrutura inflexível da pessoa adulta”, “tudo é livre, não existe nenhum determinante para o homem”. Ora, é certo que existem um grande número de fenômenos que flexionam o discurso, os hábitos e os pensamentos de um sujeito, no entanto, é importante lembrar que a vida é complexa, assim com as pessoas, e não podemos assassinar a singularidade de cada um com um modelo desses, isso só poderá trazer práticas estagnadas ou imobilizantes, na medida em que também a teoria é uma prática e modifica relações sociais e pessoais.


Quando criamos ou repetimos um modelo assim ficamos no Eco e, como a deusa grega que leva esse nome, apaixonada por seu amor impossível, Narciso, ficamos a repetir infinitamente o discurso do Outro, um absoluto. Levamos a própria desgraça de Narciso, refletido no espelho e falando consigo mesmo (tendo suas palavras repetidas por Eco), acreditando que este espelho é um outro, quando na verdade é si mesmo. Nossas limitações são também nossos pressupostos limitados. Se sairmos do espelho, seja este espelho a valoração do capitalismo como modelo único, seja a linearidade fatalista da história, poderemos ver o mundo que habitam gentes, cores diversas e possibilidades diversas de prazer, vida e luta, de transformação.


A Epistemologia tem muito a dizer aos movimentos sociais e mesmo a criação de novas teorias que não levem em conta mais a causalidade como forma unilateral de explicação. Devemos lembrar que a causalidade é também, assim como nossas teorias rígidas, uma fantasia com base arquetípica, alias, o que fica manifesto quando lembramos como a causalidade era justificada por Descartes. “A doutrina da imutabilidade de Deus é um dos dogmas dos cristãos: a Divindade é imutável; não devem existir contradições internas em Deus, nem novas idéias ou concepções. Essa é a base da idéia da causalidade!” (Franz citada por Mello). Isso da base a idéia de reversibilidade do universo utilizada por Isaac Newton, que como sabe-se, era alquimista. Na reversibilidade o tempo é reversível, dessa forma, se voltarmos no tempo a partir de um efeito, teremos sempre a mesma causa.


É preciso considerar uma nova epistemologia, e com isso nos remetemos ao deus Hermes. Hermes é um deus de comunicação, ligação, mas não a ligação horizontal de Eros, mas a ligação entre diferentes níveis, do mundo dos vivos ao Hades, do Hades ao Olimpo. A partir daí temos a hermenêutica, cuja etimologia deriva mesmo de Hermes, a ciência da interpretação é também uma ciência que procura ligar níveis diferentes de conhecimento, assim como o nível empírico com um nível não-substancialista, metafórico sem hierarquizar nenhum dos níveis como resposta última.


Não é necessário, portanto, nenhum abandono da observação material, isso seria péssimo para qualquer movimento contra-cultural ou revolucionário, já que este esqueceria que existe de fato uma demanda de uma população por moradias, terra, comida, diversão, transporte, etc. que não pode ser atendida pelo capitalismo. Contudo, sabemos que isso não basta para uma teoria contemporânea, nem para o homem contemporâneo, sob o risco de esvaziamento da crítica social, seria repetir a separação das esferas como sempre fez o capitalismo, desconectar o mundo, sujeito e objeto, produtor e produzido.


Repetir o modelo positivista é mesmo repetir o tempo do trabalho, que é essencialmente o tempo euclidiano, reversível e esquecer o antigo tempo mítico. O tempo mítico é o illo tempore (tempo da origem) onde se acredita repetir atos realizados por seus antepassados, sendo a origem do termo: “Tempo Mítico”, altcheringa, que significa “Tempo do Sonho”. Dessa forma os “antigos” povos reuniam o tempo linear com o tempo cíclico. Sobre essa reunião lembremos Fernandes citada por Mello:


O eterno, ou o atemporal, constitui uma outra forma mítica de se pensar o tempo... O tempo circular, mais do que a própria atemporalidade, funda a essência do sagrado, que se manifesta no paradoxo da vida ligada à morte. A imagem mítica não expressa apenas a imobilidade do eterno. ... A narrativa mítica resgata o mistério da re-inserção periódica do homem nas origens eternas, mas a partir de sua entrada no fluxo do vir a ser.


É importante que tenhamos em mente que o tempo cronológico, engolidor, num sucedâneo de espaços vazios, é o tempo ideal da produção, do controle. É esse tempo maluco do consumo, onde tudo tem que ser rápido, veloz, fast-food, fast-sex, transporte instantâneo, tudo para se produzir mais, se lucrar mais, dominar mais. Tudo tem que ser eficiente, o que não é deve ser considerado patológico, estamos aqui na ética instrumental, uma ética que cuida dos incapacitados de vivenciar esse tempo absoluto, que não liga para singularidades, e readaptá-los ao mundo do trabalho.


Nesse caminhos é essencial que retomemos o tempo do cuidado, da singularidade (aquele tempo dos amantes), do pescador com toda sua paciência, mas não esqueçamos, evidentemente, do tempo cronológico, pois ele também tem um Q de bom, na medida em que nos coloca em movimento. Claro, sem o lado do tempo funesto do trabalho, mecânico, pontual, assassino.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

A arte de organizar ManiFESTAções

Não sabe com organizar uma ManiFestação? Perdido com a quantidade de ativistas chics e bem sucedidos que irão participar desta celebração anticapitalista? Indeciso sobre o tom de roupa a ser utilizado? Mr. Durden Poulain consultor de modas para manifestantes indecisos resolve seu problema, com estas dicas de etiqueta clássica para o novo manifestante (pós) moderno! Iremos lhe ajudar!

Por que realizar uma ManiFESTAção?

Manifestações são eventos públicos, logo se espera um comportamento requintado e uma etiqueta glamourosa de seus participantes. Normalmente a ManiFESTAção conta com três convidados fundamentais. A burguesia representada pelos centros comerciais, bancos, lojas de grife e outros espaços modernosos, os convidados, no caso estudantes, trabalhadores, desempregados, piqueteiros, zapatistas, sindicalistas e outros "revolté chics" e a polícia militar, que normalmente faz uma participação especial, o que rende um espetáculo nem sempre de acordo com o nível de diversão de que se espera desse tipo de evento.

Podemos dizer de maneira simplificada que uma ManiFESTAção cumpre alguns papéis fundamentais: Divulgar um evento social nobre, como a organização de um happy-hour pelo passe livre estudantil ou um reveillon a la ocupações urbanas de moradores sem-teto e integrar seus manifestantes. O primeiro papel visa impressionar os primeiros convidados, ou seja, a burguesia, e mostrar que nossas festas são muito bem organizadas e normalmente mais bem freqüentadas do que as deles (é sempre bom ter alguém nos observando esbanjar requinte nesses eventos sociais) e de que não estamos satisfeitos com suas festas capitalistas, há muito caviar e champagne para poucos e poucos canapés para muitos. Isso definitivamente não é chic.

Outro papel importante da manifestação é integrar seus manifestantes para que desenvolvam outros trabalhos posteriormente após o evento social(como as associações beneficentes anticapitalistas que são o supra-sumo da expressão moderna da indignação).

Há também o fator pessoal. Participar de maniFESTAções nos liberta temporariamente de algumas amarras da vida cotidiana, tal atitude por mais fugaz que pareça ser, consegue plantar algumas idéias divertidas na cabeça das pessoas sobre o poder de mobilização e organização de festas anticapitalistas que podemos ter. E sem dúvida nenhuma é um bom programa de final de semana.

Quais os lugares que devo realizar uma manifestação?

Manifestações são geralmente eventos públicos. Isso não impede que você realize uma festa privada para seus amigos em espaços mais aconchegantes, como agências governamentais, embaixadas, universidades públicas ameaçadas pela privatização e outros espaços mais agradáveis. Contudo, sem uma passarela, dificilmente poderíamos aproveitar os últimos modelos da estação, e não há melhor passarela do que espaços públicos, ruas, avenidas, praças e tudo mais que consiga causar "frisson" na dinâmica do transporte de mercadorias e pessoas no baile capitalista.

Posso levar minhas bandeiras?

Claro. Com a regra máxima de uma bandeira por militante, não reproduza a gafe dos partidos trotskistas, que insistem levar de regra quatro bandeiras para um militante em ManiFESTAções. Isso não é elegante. Prefira as bandeiras rubro-negras, são a última moda da estação, é uma tendência retrô que está na moda agora.

Um caso de sucesso

A expressão moderna mais visível da ação direta e que ganhou mais destaque durante todos os anos subseqüentes, foram sem dúvida as manifestações antiglobalização em Gênova, contra os 8 países mais ricos do mundo, o chamado G8.

O grupo mais enfocado em todo o processo(na verdade tática de atuação em manifestações) foi o Black Bloc, estratégia organizada criada nessa ocasião para reagir contra a violência policial e que além disso destruiu vidraças e símbolos capitalistas, mostrando ao mundo uma face da globalização que não era tão bonita quanto os teóricos do neoliberalismo gostariam de mostrar(seus estilistas liberais já saíram de moda, isso é verdade).

O anarquista italiano Errico Malatesta já afirmava que o oprimido encontra-se sempre em situação de legítima defesa e foi neste tipo de situação em que os movimentos antiglobalização estavam, tais movimentos representavam uma parcela dos excluídos do grande projeto globalizador, um projeto violento, uma violência econômica em escala global, que por sinal causa muito mais estragos do que simples vidraças de bancos ou de multinacionais capitalistas quebradas.

Como diria Bertold Bretch, "o que é uma vidraça de um banco quebrado sobre o crime que é o próprio existir?". O black bloc definiu toda uma "etiqueta de moda" para as subseqüentes gerações de ativistas entediados com a etiqueta moderna démodé. O black bloc virou a referência mundial para os ativistas anticapitalistas mas é tempo de reflexões.

A influência do fabuloso New Kids on the Black Bloc na juventude new hyppe

A tática de atuação do black bloc, que por breve análise já define o que deveria ser, ou seja, uma tática temporária e autônoma diante de uma realidade específica e em um momento específico(em manifestações), ao contrário disto, influenciou fortemente a juventude anticapitalista de diversos países e ao contrário de delimitar-se como simples e eficiente tática de ação direta transformou-se em estratégia de atuação para alguns. Um fim em si mesmo. O grau de organização revolucionária seria o termômetro da radicalidade das manifestações, estas definiram o quão radicalizado estaria o movimento social de um determinado país/setor popular. Ledo engano.

Manifestações populares violentas não refletem necessariamente o grau de organização dos oprimidos(as touradas, e a tomatina são extremamente violentas e nem por isso exatamente políticas).

Para isso temos de diferenciar, rebeldia de revolta. Usaremos os dois termos por fins meramente didáticos.

A rebeldia seria uma insatisfação popular, proveniente de algum acontecimento não necessariamente político, mas que causasse alguns prejuízos aos órgãos do poder ou da iniciativa privada(como foi o caso da gloriosa manifestação que queimou a Estação das Barcas, feita espontaneamente por populares em 1959 em Niterói-Rio de Janeiro [1]) por meio do agrupamento de indivíduos que resolvem demonstrar sua insatisfação. A revolta seria a rebeldia "mais organizada", ou seja, além de uma intensa insatisfação, haveria um grau de organização do movimento(os bastidores que antecedem o aguardado desfile), cuja radicalidade pública seria apenas uma faceta de seu aspecto político, mas que não se encerraria ali, nas ruas, ou no dia do protesto(podemos citar o Grito dos Excluídos realizado em diversas cidades brasileiras como o mais bem sucedido ato neste sentido).

Para fins práticos, uma manifestação bem sucedida é a que representa um movimento social ativo. Como um iceberg que resolve flutuar e expor apenas 10% de todo seu corpo em determinada época, mas mesmo que aquele cume de 10% de gelo seja "destruído" haverá os outros 90% que não são visíveis à linha do mar, mas continuam a resistir/existir, subterraneamente.

"Estimulados pelas imagens e apelos sensacionalistas dos meios de comunicação em geral, muitos jovens engrossam as passeatas movidos mais pela adrenalina, na busca inconsciente de um "ritual de passagem", do que por uma atitude refletida. Dessa forma como em um fenômeno de retroalimentação, boa parte dos ativistas que ingressam em uma manifestação, na verdade, é recrutada pela mídia burguesa e não pelo espírito libertário que deveria determinar o movimento" (Do texto A Insuficiência das Ruas [2])

O que acontece normalmente, é que nas típicas manifestações anticapitalistas não há essa imensa parte deste corpo submerso. O resultado é que elas desmancham-se tão rapidamente quanto o gelo se derrete(e afundam como o Titanic sem nenhum tipo de etiqueta), este é o problema de confundir meio com fim e fim com o meio. As maniFESTAções preferencialmente devem ser a expressão pública de um movimento(ou da soma de vários).

Se as manifestações vão ser temporárias que sejam criativas(e preferencialmente pacíficas como as contra a invasão do Afeganistão realizadas no Rio de Janeiro[3] e em outras partes do mundo) e possibilitem os indivíduos que participam ter confiança e tranqüilidade no que vão fazer.

Obviamente, manifestações que se pretendem ser combativas e anticapitalistas a ponto de reagirem duramente aos ataques da polícia, não podem ser agrupamentos temporários com data e hora para acabar(se vão ser há de se pensar longamente uma estratégia anterior para que os convidados se conheçam, algo como um coffe-break organizacional) e devem no mínimo ser inteligentes(ou seja que se avalie a chance REAL do enfrentamento policial ser bem sucedido no que se propõe), nem feitas por um grupo muito reduzido de participantes(pois isso vai fazer com que sua festa fique vazia e as revistas de moda fotografem seu fracasso).

Conhecer os convidados é fundamental.

Como confiar em alguém que você nunca viu antes na vida, frente a possibilidade de ser agredido pela polícia e recorrer a este "ilustre" desconhecido uma ajuda? É confiável? É seguro para seus participantes? Todos temos limitações. Como confiar que um companheiro não irá literalmente "dar no pé" caso a polícia resolva "engrossar o caldo"(e quando o caos se instala na manifestação, não há organização que segure, há apenas impulsos primitivos e muita correria). É preciso ter o que os anarquistas chamam de grupo de afinidade; se com eles já é difícil, sem eles mais ainda.

Sobre as reuniões preparatórias, é obviamente simples: reuniões não definem, nem resolvem a fragilidade temporal do agrupamento, mas se bem feitas podem ser amplamente bem sucedidas. Devo citar o óbvio, por que nem sempre o óbvio está claro para alguns: JAMAIS ORGANIZE MANIFESTAÇÕES PELA INTERNET! Isso é extremamente rude e grosseiro! Uma gafe mortal! Além disso você provavelmente será mapeado pela inteligência dos órgãos de polícia. Tais toupeiras(ops), digo militantes que organizam atos pela internet(especificamente os fóruns públicos onde qualquer tecnocrata da agência de inteligência dos órgãos de repressão podem acessar) devem estar atentos a grosseria em que se é realizar um convite por esta via.

Envie um convite com papel timbrado, é muito mais chic.

Manifestações organizadas com antecedência costumam evitar muitos problemas subseqüentes, não vão prever todos os acontecimentos, mas conseguem ser úteis até para "sentir" o espírito dos que dela irão participar(isso é útil para identificar infiltrados, oportunistas, paparazzis ávidos por notícias das celebridades etc), para definir quem fica responsável pelo o quê, para apertar os parafusos em suma e para definir o modelito adequado da maniFESTAção e os tons pastéis que serão utilizados nas faixas. A regra, é que sempre surgem alguns provocadores que resolvem "dar a linha" ao movimento no "melhor" dia possível, ou seja, no dia da maniFESTação.

Normalmente esses chiliques autoritários, provém de convidados que não se preocupam com a organização que antecede o evento(estão mais preocupadas em aparecer no dia para desfilar seus modelitos europeus black bloc estilizados). Há um medo latente, especificamente no movimento libertário de parecer "ser autoritário". Aliás quer ofender um anarquista? Chame-o de autoritário. Ele vai adorar. Talvez lhe pague uma coca-cola.

Este receio(que poderia ser chamado da síndrome do medo de dizer NÃO, algo que Reich deveria explicar[4]) dos libertários em geral, acaba dando espaço para que os individualistas do movimento imponham suas idéias no dia em que estas não tem tempo para serem discutidas: O DIA DA MANIFESTAÇÃO. É no dia da manifestação que estes individualistas new hyppe pós-modernos querem impor ao movimento algo não deliberado; não que situações fora do comum não ocorram, mas caso aconteça a reação frente a esta, não deve ser produto de uma mente histérica e ávida por esportes radicais, mas sim de um grupo coeso e minimamente consciente do que faz(os tais grupos de afinidade citados anteriormente).

Normalmente, esse tipo de provocador apela para um sentimento covarde e infantil, do qual se valem para impor suas idéias a força: o militar-ativismo(um neologismo vulgar, sendo uma mistura esdrúxula da hierarquia militar com o ativismo social).

Os que resolvem "enfrentar" a polícia, a primeira linha de frente contra o batalhão de choque(os astros da passarela), quem foi preso, quem ganhou mais pontapés e chutes do fascismo democrático ganha mais medalhas e "respeito" do "movimento".

Nossos padrões de beleza e luxúria já foram muito mais exigentes.

Tenho que citar um exemplo histórico para contestar este tipo de comportamento, que é o da revolução espanhola em 1936, enquanto as milícias enfrentavam os fascistas no front, uma legião de operários e trabalhadores produzia a comida, autogestionava os transportes, distribuía a comida, e faziam uma série de serviços funcionarem. Aliás, pobres seriam os milicianos do front sem os agricultores da Catalunha ou de Saragoza, sem as batatas que os mesmos plantavam...

Podemos dizer seguramente segundo este relato histórico, que o trabalho do menino que produzia pães numa padaria coletivizada na Espanha durante a guerra civil era tão importante quanto o do miliciano que arriscava sua vida contra os fascistas nas barricadas. E obviamente pelos seres humanos pertencerem a realidades, personalidades e corpos distintos, não podemos forçar um companheiro ou uma companheira a participar do enfrentamento nas manifestações, se esta/e não se sente segura/o para tanto(quem não quiser desfilar na passarela, pode maquiar os manifestantes ou preparar os convites com letras em relevo e papel couche).

Tal prática é feita rotineiramente, sendo a reprodução de um subjetivismo interno a nível coletivo, algo semelhante ao medonho jargão do "sentimentalismo pequeno-burguês" do qual se valeu Lênin para responder a revolta da anarquista Emma Goldman com os operários fuzilados e a falta de liberdade na Rússia, pós 17.

Boclheviques sem dúvida nenhuma, não tem nenhum senso de humor.

Em algumas vezes alguns militantes comportam-se como se o ápice da maniFESTAção fosse justamente ser preso pela polícia! É o sardo-marxoquismo? Ou é a velha ideologia cristão do sofrimento interiorizada? Que coisa velha e antiquada! Todos nós sabemos que o cristianismo morreu com cristo como diria o tio Nietzsche, por que reproduzi-lo! E por que a prisão dos manifestantes deve ser o fim? Mas ao que parece, há convidados que não se importam com o fato da festa estar cheia ou vazia, irão agir da mesma forma como se a realidade fosse algo estático. Enfrentar 200 policiais com 50 manifestantes não é elegante e muito menos inteligente(muitos ainda não sabem disto infelizmente).

Agora se reunirmos 5000, ah sim, faltarão canapés vegans para todos, mas decerto aí sim as vidraças quebradas ficarão muito mais glamourosas!

Há obviamente uma diferença brutal entre a realidade do movimento libertário latino-americano e os movimentos da Europa(eles tem grana, nós não). Primeiro é que na maioria dos países com forte tradição libertária e anticapitalista é possível reunir alguns milhares de manifestantes em passeatas, geralmente bem organizadas, com comissões de segurança, de direito, com ampla repercussão e propaganda anterior. Sem contar que na Europa, há países geograficamente muito mais próximos o que possibilita uma coordenação de solidariedade intentando "engrossar" as passeatas anticapitalistas, o que foi feito no G8(o festival de Cannes do anticapitalismo!). Lá eles queimam carros, aqui queimamos pneus, é uma grande diferença não? Mas não se se desanime por conta disto, use sua realidade a seu favor!

O maior erro do idealista, é querer adaptar à força a realidade às suas próprias convicções. Por que diabos então, temos de importar o modelo black-bloc para nossa realidade latino-americana se temos modelitos muito mais chiques?

É comum ver em manifestações manifestantes fantasiados/mascarados de preto, sendo que especificamente no Brasil há uma realidade muito diferente da Europa neste sentido. O capuz aqui tem uma conotação muito diferente, para a polícia brasileira e sim nós temos de pensar como ela pensa(apesar de inteligência policial ser uma completa ambigüidade) o capuz está associado ao tráfico de drogas, ao "quem não deve não teme", e ao "está se escondendo porque playboy?". Isso acaba por obter o efeito contrário do pretendido, ao invés de proteger a identidade dos participantes, aguça os órgãos de segurança a identificá-los e estigmatiza os participantes como algo "estranho" às pessoas que deveriam estar ali juntas reunidas e deveriam ser o objetivo da manifestação: o público, digo a população.

Aliás, se quisermos uma forma melhor de ficarmos anônimos, larguemos as máscaras negras e realizemos um trabalho de base no movimento social. Quanto mais cheia a manifestação, maior a possibilidade de permanecermos anônimos(isso evita os malditos paparazzis).

O movimento anarquista hoje precisa mais de padeiros do que milicianos. Mais formigas, menos cigarras. Há muita dança(e ela deve continua a existir, pois se "Não posso Dançar não é minha Revolução", como diria a anarquista Emma Goldman), mas há pouca música. Chega de Rotary clubs libertários, o turismo social é um saco, estar em tudo é legal, mas acabamos não estando em nada. Assuma, sua linguagem chic-revolté só está servindo para meia dúzia de chics revoltés como você. Ela precisa se expandir. Utilizando uma expressão grosseira, a festa tem de "bombar" e eu não estou me referindo à Ravachol ou aos anarquistas insurrecionistas gregos, estou me referindo ao trabalho de base.

Os tijolos que o movimento precisa construir são esses tijolos, a argamassa do movimento: com os setores populares. Enquanto dermos festas para nós mesmos, continuaremos a ensaiar passos de dança para públicos reduzidos.

Vidraças quebradas e carros queimados devem ser apenas uma conseqüência divertida e glamourosa da aglutinação popular.

Voilá! Vamos às festas!

[1] Os manifestantes ainda queimaram a casa do dono da concessionária que administrava as barcas(Hip-Hurra!).

[2] AÇÃO LIBERTÁRIA Nº 01 - "A Insuficiência das Ruas" - Texto do Núcleo de Base do IEL

[3] Esta contou com um George Bush na camisa de forças correndo pelo centro da cidade atraindo a atenção de centenas de populares: sucesso total.

[4] Psicólogo Norte-Americano e dissidente de Freud, piadinha vulgar com o "Freud Explica". Reich foi expulso do partido comunista e da sociedade psicanalista, acusado pelo Partido Comunista de ser psicanalista demais para ser comunista e pela sociedade psicanalista de ser comunista demais para ser psicanalista.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Zapeando entre os canais, eis que me deparo com a última novidade do futebol: outdoors móveis. Quem é ligado em futebol sabe do que eu estou falando. Fico alguns segundos parado observando, não o jogo, mas o pisca-pisca, hipnotizado. Pra quem não está a par, eu explico: os outdoors que cercam o campo agora são telas que alternam as propagandas, acendem a apagam com a mesma freqüência de um letreiro de néon e ficam rodando o campo. Realmente, não se sabe se se deve olhar o jogo ou o letreiro. Estratégia de marketing, é claro. Um jeito de chamar a atenção dos telespectadores para poder vender mais (e quantos olhares não são capazes de desviar, justo no "país do futebol"). Na hora pensei "perderam o senso do inconveniente...". Alguns dias depois, por acaso, resolvi olhar o Globo e no Segundo Caderno (do dia 9 de Junho) havia um artigo cujo título era: "Os slogans que matam a jogada", por Arnaldo Bloch. O Sr. Arnaldo não dispensou comentários para criticar o que estava acontecendo em campo.


"Claro que o objetivo é esse mesmo, dividir a atenção entre o jogo e a publicidade gritante durante noventa minutos, captar a distração quando a partida estiver ruim, e é claro que algum dinheiro não faz mal ao futebol. Mas, peralá, a gente termina a peleja com vontade de vomitar, com ódio dos anunciantes, inclusive dos que, eventualmente, mereciam simpatia."

Mas o mais interessante do artigo é um certo senso crítico que se deixa entrever. Arnaldo fala da tendência invasiva da propaganda na vida cotidiana, e principalmente do jeito que o futebol está cada vez mais degradado pela lógica da mercadoria. Robert Kurz já falou sobre a vocação totalitária do capitalismo, sem perdoar o "senso comum" de totalitarismo:

"Salta à vista que, nessa teoria do totalitarismo das duas esferas polares da sociedade, somente a esfera político-estatal é mencionada, enquanto a econômica permanece de todo ofuscada. Nesse sentido, só pode existir um Estado totalitário, mas aparentemente não uma economia totalitária, um modo de produção totalitário, um mercado totalitário. O axioma dessa consideração unilateral é que somente o Estado e a política integram o âmbito social, enquanto a economia - como já postulavam, no século 18, os fisiocratas e Adam Smith - pertence supostamente à natureza e extrapola, com isso, a teoria social em sentido estrito. Ora, leis naturais não podem ser totalitárias e ameaçar a liberdade; é preciso aceitá-las como ao tempo." (Robert Kurz, Totalitarismo Econômico... dá pra encontrar o texto na internet)

Ora, é cada vez mais óbvio que o capitalismo é totalitário. Hoje em dia, o capital define tudo em nossas vidas: os hábitos alimentares (fast-food), a concepção do tempo, as artes, os esportes, as relações pessoais... tudo é de alguma forma captado para o fim em si mesmo da acumulação. É óbvio que o tempo linear-abstrato do relógio já ultrapassou há muito tempo o âmbito do trabalho e invade a vida cotidiana, por exemplo. Já não podemos nem gastar alguns minutos comendo, já que a obrigação de consumir o tempo de forma utilitária está sempre cutucando em nossa cabeça... e é aí que entra o fast-food, seja no Mc Donald's ou no "chinês" da esquina. Daí o aumento significativo do número de obesos.

No capitalismo, tudo deve ser aproveitado, do contrário é "desperdício". O dinheiro foi investido e deve dar um retorno à altura. Para isso, os administradores, capitalistas ou não, devem estar sempre alertas. Não pode escapar um peido que seja dentro do local de trabalho que não sirva para "valorizar o dinheiro" (entoem o mantra, rapazes!). Apesar disso, o capitalismo não pode preencher toda a realidade. Se o fetichismo é a subordinação do concreto ao abstrato, também não é menos verdade que há sempre um jogo de forças. O trabalho abstrato luta para engolir o trabalho concreto, e apesar disso, sempre escapa alguma coisa. A dialética é a "razão da luta", como diz Holloway, e não uma "lei natural" ou coisa que o valha. Pode ser que eu tenha escapado um pouco ao assunto (afinal, futebol não é muito a minha praia...) - fato é que seria lindo se os torcedores invadissem um dia o gramado para acabar com aquela porcaria -, mas eu queria citar o último parágrafo do texto do Sr. Arnaldo:

"(...) todo mundo sabe que carnaval é business, que praia é business, que água é business, que fundo de prédio é business, que chão que a gente pisa é business, que meio ambiente é business, que ética é business, que política é business. Mas vamos com calma, senão daqui a pouco nosso amor vira business e até o ar que a gente respira vira business, e nesse dia nossas privadas piscarão, assentos luminosos, águas dançantes da bunda à alma, mas calma aí, alma não é bunda, ainda que bunda, tantas vezes, seja business."

Va de retro!

terça-feira, 12 de junho de 2007

É o pó de estrela que une as palavras


Do primeiro passo, eu olho, respiro, vejo, absorvo, absorvo-me, mudo-me, mudo o que li, o que eu li me muda, me muda mas não me emudece, me cresce, me fortalece; tropeço em algumas letras, esbarro nas vírgulas tão caprichosas(na rima tão generosa); pouco pútridas como disse o companheiro Alexandre, renovam-se, envolvem-me, enrolam-se, neste devir heráclitiano que me seduz, que me conduz; descortinam o segundo passo, das ninfas, do dionisíaco sentimento juvenil, da vida que escorre na rebeldia, que adocica pedaços de poesia e trilha caminhos contrários.

Contrários ao que nos cega. Não serei neutro. Por que a neutralidade é uma quimera. O mundo é feito de constantes interações, de mutações, de revoluções, silenciosas, ruidosas, contagiosas, procedem no fluxo incessante e misterioso do mecanismo da vida.

E a vida. Doce vida! Tão tenra! Retirada de nós, nos sobra uma sobrevida! Devotada ao deus-trabalho, ao pai-capital e aos meandros obscuros das (horripilantes)hierarquias sociais.

Algo que não criamos!

Somos feitos de estrelas! Eões de trios los quarks como diria Frei Beto, não o Frei Nando, e o hidrogênio, o hélio, o carbono, o ferro, filhos do big crunch, do big bang, do o-que-quiser-chamar, do caminho, do curso, do TAO, da univérsica totalidade, que liga o passo 1 ao passo 2 e a este infame passo 3, todos com cheiro de pó-de-estrela, famintos por liberdade, por igualdade na diferença, por diferença na igualdade.

Dos 92 elementos químicos encontrados na natureza, eu sou um filho desta reunião, uma aglomeração, uma manifestação, uma marcha, um grito desesperado por liberdade, um verdadeiro filho do carbono e do amoníaco, lutando com os anjos da escuridão e da rutilância.

Brado meus quarks, meus íons, meus átomos e me torno uno com a liberdade de algo profundamente cósmico. Por que a liberdade sim meus caros, é algo divino! Uma divindade que nega o ouro dos tolos, que se nega para se construir! E que se afirma sem pedir um ponto final.

Sou um filho de uma estrela, sou feito de pó de estrela! E estrelas dançam no céu, no horizonte, desbravam a matéria(este conceito obsoleto que ganha vida na energia) riscam nossos sonhos e nos educam para a liberdade!

Como diria Nietzsche: "É preciso ainda ter caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançarina". E dançaremos, com o caos, a reconstrução do si, do eu, do self, pois como diria a anarquista Emma Goldman: "Se não posso dançar não é minha revolução". Faremos como a terra e seu rodopiante bailar de mudança, a revolução é o que que modifica tudo, põe de ponta-cabeça, abala as estruturas e enterra não o óbvio por o odiar, mas por entender que o óbvio deve virar adubo para um novo tempo renascer, florescer, permanecer para modificar-se logo em seguida, como o rio de heráclito, a estrela de Nietzsche e a dança vigorosa dos anarquistas espanhóis em 36 e dos estudantes franceses em 68.

Historicizaremos o chamado "natural" e mostraremos aos pastores da rotina, que há um novo mundo nascendo dentro de nós e este mundo cresce a cada minuto que passa como diria Durruti

Desmascaremos o neutro com uma salada libertária de bom humor, um humor groucho-marxista. Caminharemos juntos com nossas semelhanças refletindo nossas diferenças que não se negam, mas complementam-se como a soma das estrelas, como a rede, como os milhares de pontos do universo, como nossa liberdade, que pode e deve ser tão infinita como o novo mundo puder permitir.

E as polêmicas(é claro), deixo para meus companheiros...

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Fio de Palavras.


Este é meu primeiro post neste blog, vou tecer certas palavras, pegando o fio do amigo Guerra. Vou tentar jogar entre dois pólos, um em homenagem ao Guerra, homenagearei o conflito (a guerra), flexiono minha fala com James Hillman: “Acredito na minha raiva. É o meu demônio favorito. Ficar bravo e escrever caminham juntos”. Mas a vida não é tão guerreira, nem quero ser tão herói, heróis correm sempre o risco de se tornarem autocráticos, evitando a relação com os outros através da força e da macheza. Posso tentar levantar minha bandeira de herói de maneira um pouco mais feminina, rosa-pink, seguir os caminhos marxianos levantados em citações. Explico o feminino que falo, falo de Eros que é um princípio de comunhão, da Sizígia, do Coniunctio. Eros é um princípio erótico, mas também uma energia, uma ligação que se dá através de suas flechas. Claro, o Eros ocidental é aquele da Falta, infantil, que Freud tanto pontua, o Eros que nos faria mover, pois vive insatisfeito numa “carência em busca de uma plenitude. Um sujeito em busca de objeto”. Em busca do paraíso perdido.


Resgatemos o amor, o sexo, o prazer, mas pra que este prazer incompleto, este prazer da Falta? Resgatemos o Eros indiano, Kãma-Deva que é um jovem brilhante e habilidoso. Lembremos do Kama Sutra indiano, onde há valor no sexo e no amor. Tendo o amor como caminho de re-união podemos considerá-lo co-responsável pela construção de nossa estrada, ligar sujeito e objeto, ligar dominantes e dominados, ligar o céu ao inferno (casamento do céu e do inferno). Que seja com uma festa pagã, regada a vinho e ao sexo de Dionísio, com a totalidade de Pã (ligando também Narciso a Eco).


Qual o outro pólo do que falamos que iríamos fiar, para não ficarmos tão chatos e irritantes? É a comédia, o riso, o princípio que desmobiliza, sair do tédio é correr aventurosamente, levantar as bandeiras, mesmo que do Kaos. Afinal, "Quem segue o caminho seguro, está tão bem quanto quem está morto!”. Desterritorializar é sair de si, abrir caminhos. Abrir caminhos talvez seja a tal putridez, esfacelar o caminho dado, com podreira, na lama da imanência.


Segundo Karen Horney o poder é o determinante do grupo oposto aos “normais”, isto é, dos neuróticos. Falamos de poder para falar de podridão. O poder se amplia e como um rizoma e toma conta do sujeito-assujeitado pela própria tragédia, transformando tudo em ouro, tudo perde seu valor, é como dizia Lord Byron "O poder corrompe. O poder absoluto corrompe absolutamente". O capitalismo é a era da desvalorização. No entanto, eliminar o poder de nossas vidas é tão prejudicial como aceitá-lo incondicionalmente, de maneira infantil. É preciso trasmutar o poder, para que ele não seja obsessão, para que ele deixe de ser algo que nos consome. O melhor poder é aquele que não é poder-sobre, isto é, o melhor poder é a própria potencia, é a capacidade de mutação, de ser possibilidade. Dessa forma, vamos transformar esta página num carnaval multi-colorido, cheio de máscaras, ser vários, estar animais, deuses ou dríades. Libertem as Ninfas do bosque para que dancem ao ar livre.


Talvez dessa maneira possamos ver nossas teorias e pontos de vista como fantasias, fantasias que tem um fundo histórico, cultural, social, individual, mas também coletivo, ahistórico, asocial. Essa é a forma de criar fluidez que não é nem a ausência de movimento, nem a ausência de paralisação. O movimento puro é a ausência de movimento.


Nademos, pois, em correntes libertárias, pois nada é tão contagiante como a liberdade, já dizia Roberto Freire. Afinal, nademos em putrefatas lamas, pois é aí que se encontra a salvação. A polêmica, faço contra-posição a guerra (ou eco ao Guerra), deixo a meus companheiros. ;P

domingo, 10 de junho de 2007

pútridas palavras

Pútrido é o que se esfacela com o tempo. As palavras e seus derivados, os livros, jornais, revistas etc, são das coisas menos putreficazes (com o perdão da palavra) que existem. A humanidade criou tais coisas com a função de registrar, comunicar... de deixar sua marca, seja onde estiver localizada no fluxo do tempo-espaço. O passado comunica ao futuro. Putreficante (?), porém, é o sentido das palavras. A comunicação em geral, a fala, as palavras... também têm história. As palavras não só sofrem transformações, evoluem, se perdem e se recriam, como modificam-se os seus significados perante o tempo e suas revoluções. A palavra trabalho não poderia ter o mesmo significado social e moral no século XIV, durante a Idade Média, por exemplo. (riso interno)

A qual a função da palavra numa sociedade autoritária? O que ocultam as palavras? Que formas de traição da humanidade à si mesma é capaz, a palavra, de escamotear? As palavras não podem ter função "neutra". Elas carregam conceitos, conceitos estes construídos segundo uma certa visão de mundo. Visão de mundo esta que, segundo o marxismo clássico, é a visão da classe dominante. Mais além disso, as palavras... ou melhor, os nossos "conceitos de mundo", por assim dizer, são os conceitos de uma vida fetichizada, congelada em cada ato de relacionamento social, deturpada. Num "mundo realmente invertido", as palavras expressam também a prática corrente da separação sujeito-objeto (será?). São "palavras cativas". A comunicação, porém, extingue-se cada vez mais (no mesmo decorrer da extinção da comunidade). Torna-se atributo exclusivo do marketing e da propaganda política ou empresarial (nas ruas, em casa... "everywhere!"). É moldada, enfim, segundo as exigências de produtividade do Capital. Onde há comunicação, porém, não há Estado - assim nos lembra Debord. O Estado é a peça-chave na unificação das partes separadas. O banimento da vida comunitária para um âmbito superior e abstrato. E assim caminha a humanidade...

A polémica deixo para meus companheiros de blog hehe!

teste

1, 2, 3... Testando. Som, som.