Um natal feliz para os despejados, para todos os assassinados pelo Estado nas favelas, para os estudantes e as universidades sucateadas, para os presos políticos(todo preso dentro do sistema capitalista é um preso político), um feliz natal para os que moram na rua e se alimentam das sobras do excesso capitalista, para as crianças pedintes nos sinais e semáforos das grandes urbes, para os índios expropriados pela Aracruz Celulose, pelos moradores atacados pela violência do Estado no canal do Anil, para os atendidos nos hospitais caindo aos pedaços, para as empregadas agredidas pelos moradores classe média-alta, para os trabalhadores escravos no Pará, para os carregadores de carvão no interior do país, enfim, um feliz natal. Natal feliz? É sério?
segunda-feira, 24 de dezembro de 2007
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
Luta de Classes
Estou com preguiça de responder acadêmicamente-krisísticamente-frankfurtianamente o texto abaixo. Resolvi complementar imagéticamente a discussão(quando tiver faço minhas colocações adequadamente).
E a luta de classes? Existe ou não existe? De que forma? Século XXI não?
Metrô do rio de janeiro, 18h da tarde, quinta-feira.
E a luta de classes? Existe ou não existe? De que forma? Século XXI não?
Metrô do rio de janeiro, 18h da tarde, quinta-feira.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
Breve abordagem sobre o a questão do sujeito
"A humanidade teve de se submeter a terríveis provocações até que se formasse o o eu, o caráter idêntico, determinado e viril do homem, e toda infância ainda é de certa forma a repetição disso." (Max Horkheimer e Theodor Adorno, Dialética do Esclarecimento 1947)
Um aspecto que sempre foi caro ao escopo do socialismo tradicional é o da inevitável imanência da luta de classes e da suposta classe revolucionária. Basta evocarmos a leitura clássica: a classe trabalhadora é aprisionada externamente pelo capital, e ali permanece, alienada pela ideologia, até o momento em que, tomando consciência de sua opressão, se ergue e faz a revolução. Mas, tal como o trabalho não é capturado "de fora" pelo capital, mas é ele próprio um princípio imanente às relações sociais capitalistas, também a "classe trabalhadora" não pode ser encarada como uma classe realmente revolucionária. Não se trata somente de derrubar o mito marxista da predestinação, mas também de apontar aquilo que a esquerda sempre ignorou, a saber, que a emergência da modernidade (ou do capitalismo, se preferirem) traz em si a constituição de uma forma de subjetividade adequada às suas exigências. Essa problemática remete hoje principalmente ao grupo Krisis e à seus principais colaboradores (ou ex-colaboradores) - Robert Kurz, Norbert Trenkle, Roswitha Scholz. Muito antes, porém, este tipo de discussão já cabia nas bocas da Escola de Frankfurt e até do próprio Marx, se fizermos uma leitura seletiva. E pode-se dizer: a despeito de todo avanço na discussão teórica e na própria experiência, permanece ainda hoje na esquerda a crença incondicional na luta de classes. Esta encontra-se pra lá de arraigada, tanto nos partidos quanto nos sindicatos e demais grupos. Para esta fração, a classe trabalhadora possui uma predisposição quase-natural à Revolução (esta mesmo, com R maiúsculo). A única coisa que a impede de realizá-la é o fato de que sua ideologia é a ideologia da classe dominante. Os meios de comunicação de massa e de "formação" (escolas, universidades ou mesmo as igrejas) veiculam a ideologia burguesa sem cessar, de modo a domesticar os trabalhadores. A questão é que esse discurso não leva em conta a possibilidade (porque é de possibilidades que estamos tratando, e não de leituras absolutas) bem menos otimista da própria classe trabalhadora ser uma categoria imanente ao capitalismo, que tem suas necessidades e desejos "reais" produzidos pelo capital, e que por sua vez o reproduzem. Trata-se aqui da discussão sobre a forma-sujeito: à formação histórica do modo capitalista de produção corresponderia a formação histórica de uma subjetividade adequada e funcional, de uma individualidade massificada, carregada com dispositivos que garantem a reprodução das instituições burguesas. Não se trata de valores pensados. Como bem enuncia Jessé Souza em um dos seus textos, remetendo também a Bordieu, estes valores ou disposições fazem parte do âmbito pré-reflexivo. Estão internalizados ou "impressos" em nossos corpos desde a mais tenra infância - claro, levando em conta que o desenvolvimento da criança se dê no interior da sociabilidade moderna. Evidentemente, não existe nenhuma predisposição de ordem ontológica - ou "natureza humana", se preferirmos o jargão filosófico - que nos leve inevitavelmente às mazelas da concorrência generalizada, da acumulação, da guerra, do livre mercado, da troca, da propriedade privada etc. Não existe determinação genética, psicológica ou de qualquer outra ordem para o capitalismo. Isso nunca passou de ideologia rasteira, e convenhamos, não pode resistir minimamente a um estudo básico de história ou antropologia. A formação de um sujeito predisposto à concorrência e ao dispêndio de trabalho em abstrato é puramente histórica, socialmente estimulada produzida, e só foi possível depois de um longo processo de violência contra populações inteiras (Cf., por ex., o artigo do FernandoR. sobre trabalho e loucura neste blog).
Mas isso a esquerda não quer ver. Ela subestima o capitalismo ao classificá-lo como algo externo - a "propriedade privada dos meios de produção", a "burguesia"... -, enquanto o reproduz dentro de suas próprias organizações (os partidos, por exemplo, são regidos inteiramente por uma razão de cunho instrumental). Também por este meio, sua abordagem resvala sempre para um tom "esclarecido" - os ativistas e demais especialistas da revolução devem influir para conscientizar os trabalhadores. Isto porque ao identificar o capitalismo com um princípio externo - a propriedade privada -, e não como um "modus operandi" que rege o nosso dia-a-dia, ela tende mesmo a cair num tom esclarecido, levando ao pé da letra o papo de "crença nas instituições". E é isso o que acontece.
O problema da luta de classes, como o coloca algumas leituras pós-marxistas, é o de que a luta de classes constitui apenas um mecanismo regulador do sistema, um conflito de interesses imanente ao próprio capitalismo. Pois no fundo, "burgueses" e "proletários", empresários e vendedores da mercadoria força de trabalho, falam a mesma língua - a língua do dinheiro. A gramática, de ambos os lados, constitui um respaldo à formação social regida pela mercadoria. Como se vê, despindo-se daquela visão mistificadora, a contenda é muito mais por uma questão de mercado do que por uma suposta "vontade" de revolução de um lado e "vontade" consciente de opressão por outro. E deste ponto de vista, voltando novamente à discussão inicial, a história do movimento socialista mundial e das revoluções proletárias é a história do desenvolvimento descompassado do capitalismo nas diversas regiões do globo e da luta imanente por direitos e reconhecimento institucional dentro dos limites bem-comportados de Estado e mercado.
Sem querer abordar outros aspectos e problemáticos da luta de classes - pois isso daria provavelmente um livro -, seria preciso nos perguntar onde é que mora a esperança, a possibilidade de ruptura. A esperança, usando um pouco de Holloway aqui, mora no fato de que a constituição histórica do sujeito - como a constituição histórica da sociedade -, não está posta de uma vez por todas. Ela deve ser posta e re-posta a cada instante, pois a cada instante ela está sendo bombardeada por mil e uma falhas que persistem em seu tecido. As instituições são produzidas e reproduzidas na prática social, não subsistem por si mesmas. Com a crise objetiva dos fundamentos do capital, a auto-disciplina do homem ocidental vai perdendo cada vez mais o seu sentido. Os efeitos disso podem ser positivos como extremamente negativos. Somente um estudo mais aprofundado dos efeitos da implosão do trabalho pode avaliar verdadeiramente a situação de risco da humanidade... ou será do capital?
Um aspecto que sempre foi caro ao escopo do socialismo tradicional é o da inevitável imanência da luta de classes e da suposta classe revolucionária. Basta evocarmos a leitura clássica: a classe trabalhadora é aprisionada externamente pelo capital, e ali permanece, alienada pela ideologia, até o momento em que, tomando consciência de sua opressão, se ergue e faz a revolução. Mas, tal como o trabalho não é capturado "de fora" pelo capital, mas é ele próprio um princípio imanente às relações sociais capitalistas, também a "classe trabalhadora" não pode ser encarada como uma classe realmente revolucionária. Não se trata somente de derrubar o mito marxista da predestinação, mas também de apontar aquilo que a esquerda sempre ignorou, a saber, que a emergência da modernidade (ou do capitalismo, se preferirem) traz em si a constituição de uma forma de subjetividade adequada às suas exigências. Essa problemática remete hoje principalmente ao grupo Krisis e à seus principais colaboradores (ou ex-colaboradores) - Robert Kurz, Norbert Trenkle, Roswitha Scholz. Muito antes, porém, este tipo de discussão já cabia nas bocas da Escola de Frankfurt e até do próprio Marx, se fizermos uma leitura seletiva. E pode-se dizer: a despeito de todo avanço na discussão teórica e na própria experiência, permanece ainda hoje na esquerda a crença incondicional na luta de classes. Esta encontra-se pra lá de arraigada, tanto nos partidos quanto nos sindicatos e demais grupos. Para esta fração, a classe trabalhadora possui uma predisposição quase-natural à Revolução (esta mesmo, com R maiúsculo). A única coisa que a impede de realizá-la é o fato de que sua ideologia é a ideologia da classe dominante. Os meios de comunicação de massa e de "formação" (escolas, universidades ou mesmo as igrejas) veiculam a ideologia burguesa sem cessar, de modo a domesticar os trabalhadores. A questão é que esse discurso não leva em conta a possibilidade (porque é de possibilidades que estamos tratando, e não de leituras absolutas) bem menos otimista da própria classe trabalhadora ser uma categoria imanente ao capitalismo, que tem suas necessidades e desejos "reais" produzidos pelo capital, e que por sua vez o reproduzem. Trata-se aqui da discussão sobre a forma-sujeito: à formação histórica do modo capitalista de produção corresponderia a formação histórica de uma subjetividade adequada e funcional, de uma individualidade massificada, carregada com dispositivos que garantem a reprodução das instituições burguesas. Não se trata de valores pensados. Como bem enuncia Jessé Souza em um dos seus textos, remetendo também a Bordieu, estes valores ou disposições fazem parte do âmbito pré-reflexivo. Estão internalizados ou "impressos" em nossos corpos desde a mais tenra infância - claro, levando em conta que o desenvolvimento da criança se dê no interior da sociabilidade moderna. Evidentemente, não existe nenhuma predisposição de ordem ontológica - ou "natureza humana", se preferirmos o jargão filosófico - que nos leve inevitavelmente às mazelas da concorrência generalizada, da acumulação, da guerra, do livre mercado, da troca, da propriedade privada etc. Não existe determinação genética, psicológica ou de qualquer outra ordem para o capitalismo. Isso nunca passou de ideologia rasteira, e convenhamos, não pode resistir minimamente a um estudo básico de história ou antropologia. A formação de um sujeito predisposto à concorrência e ao dispêndio de trabalho em abstrato é puramente histórica, socialmente estimulada produzida, e só foi possível depois de um longo processo de violência contra populações inteiras (Cf., por ex., o artigo do FernandoR. sobre trabalho e loucura neste blog).
Mas isso a esquerda não quer ver. Ela subestima o capitalismo ao classificá-lo como algo externo - a "propriedade privada dos meios de produção", a "burguesia"... -, enquanto o reproduz dentro de suas próprias organizações (os partidos, por exemplo, são regidos inteiramente por uma razão de cunho instrumental). Também por este meio, sua abordagem resvala sempre para um tom "esclarecido" - os ativistas e demais especialistas da revolução devem influir para conscientizar os trabalhadores. Isto porque ao identificar o capitalismo com um princípio externo - a propriedade privada -, e não como um "modus operandi" que rege o nosso dia-a-dia, ela tende mesmo a cair num tom esclarecido, levando ao pé da letra o papo de "crença nas instituições". E é isso o que acontece.
O problema da luta de classes, como o coloca algumas leituras pós-marxistas, é o de que a luta de classes constitui apenas um mecanismo regulador do sistema, um conflito de interesses imanente ao próprio capitalismo. Pois no fundo, "burgueses" e "proletários", empresários e vendedores da mercadoria força de trabalho, falam a mesma língua - a língua do dinheiro. A gramática, de ambos os lados, constitui um respaldo à formação social regida pela mercadoria. Como se vê, despindo-se daquela visão mistificadora, a contenda é muito mais por uma questão de mercado do que por uma suposta "vontade" de revolução de um lado e "vontade" consciente de opressão por outro. E deste ponto de vista, voltando novamente à discussão inicial, a história do movimento socialista mundial e das revoluções proletárias é a história do desenvolvimento descompassado do capitalismo nas diversas regiões do globo e da luta imanente por direitos e reconhecimento institucional dentro dos limites bem-comportados de Estado e mercado.
Sem querer abordar outros aspectos e problemáticos da luta de classes - pois isso daria provavelmente um livro -, seria preciso nos perguntar onde é que mora a esperança, a possibilidade de ruptura. A esperança, usando um pouco de Holloway aqui, mora no fato de que a constituição histórica do sujeito - como a constituição histórica da sociedade -, não está posta de uma vez por todas. Ela deve ser posta e re-posta a cada instante, pois a cada instante ela está sendo bombardeada por mil e uma falhas que persistem em seu tecido. As instituições são produzidas e reproduzidas na prática social, não subsistem por si mesmas. Com a crise objetiva dos fundamentos do capital, a auto-disciplina do homem ocidental vai perdendo cada vez mais o seu sentido. Os efeitos disso podem ser positivos como extremamente negativos. Somente um estudo mais aprofundado dos efeitos da implosão do trabalho pode avaliar verdadeiramente a situação de risco da humanidade... ou será do capital?
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